terça-feira, 14 de dezembro de 2010

10º mandamento


Não se deve cobiçar os bens do próximo: “Não cobiçarás”

• Proíbe:


• A avidez enquanto desejo de apropriação desmedida dos bens terrenos;

• A inveja: designa tristeza diante do bem do outro e o desejo imoderado de sua apropriação. Gera ódio e maledicência.

• Jesus ensina: “Bem-aventurados os pobres em espírito porque deles é o Reino dos Céus” Mt 5, 3.

• O desejo da felicidade verdadeira liberta o coração humano do apego imoderado aos bens deste mundo, para se realizar na visão e na bem-aventurança de Deus.

8º mandamento:

“Não apresentarás um falso testemunho contra o teu próximo” (Ex 20, 16).
• Proíbe falsear a verdade e nas relações com os ou-tros. Deus é verdadeiro e ama a verdade. “Eu sou a verdade” (Jo 14, 6).

• O homem tende naturalmente para a verdade: é obrigado a honrá-la e testemunhá-la.

• “Os homens não poderiam viver juntos se não tivessem confiança recíproca” (Santo Tomás).

• Virtude da verdade: devolve ao outro o que lhe é devido (o outro tem direito à verdade).

• A verdade como retidão do agir e da palavra evita a duplicidade (ser fingido, ser hipócrita, fazer de conta, viver fazendo coisas escondidas)

• Veracidade: observa o justo meio entre o que deve ser expresso (dito) e o segredo a ser guardado.

• Ser honesto e ser discreto.

• TODOS GOZAM DE UM DIREITO NATURAL À HONRA DO PRÓPRIO NOME, À RE-PUTAÇÃO E AO SEU RESPEITO

• Este mandamento exige o testemunho da própria fé:

• O CRISTÃO NÃO SE ENVERGONHA DE DAR TESTEMUNHO DO SENHOR (2Tm 1, 8).

• O martírio é o supremo testemunho prestado à verdade da fé.

• Ofensas ao mandamento:

• FALSO TESTEMUNHO: emite-se publicamente pala-vra contrária à verdade;

• JUÍZO TEMERÁRIO: admitir como verdadeiro, sem fundamento suficiente, um defeito moral no pró-ximo.

• MALEDICÊNCIA: sem razões válidas, revela a pes-soas que não sabem, os defeitos e faltas dos outros

• CALÚNIA: os que com palavras contrárias à verdade, prejudicam a reputação dos outros e levantam falsos juízos a respeito delas.

• Ofensas ao mandamento:

• ADULAÇÃO: é grave quando o adulador é cúmplice de vícios e pecados graves;

• FARFARRONICE OU JACTÂNCIA: envaidecer-se, orgu-lhar-se;

• IRONIA: depreciar alguém caricaturando de modo malévolo, um ou outro aspecto de seu comporta-mento.

• + Diz o Senhor Jesus:

• “Não julgueis para não serdes julgados. Pois com o julgamento com que julgais, sereis julgados, e com a medida com que medis sereis medidos. Por que reparas no cisco que está no olho do teu irmão, quando não percebes a trave que está no teu? Ou como poderás dizer ao teu irmão: ‘Deixa-me tirar o cisco do teu olho’ quando tu mesmo tens uma trave no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então verás bem para tirar o cisco do olho do teu irmão” (Mt 7, 1-5).

7º mandamento:

“Não roubarás”

(Ex 20, 15; Dt 5, 19; Mt 19, 18)


• Os bens da criação são destinados a todas as pessoas


• Existe o direito à propriedade privada;

• Permanece a responsabilidade pelo bem comum (todos são responsáveis pelo bem comum).

• É preciso não apegar-se aos bens e preservar os direitos do próximo.

• A solidariedade: expressão de caridade cristã.

ROUBAR: tirar o bem do outro contra a von-tade razoável do proprietário.

• toda maneira de tomar ou reter injustamente o bem do outro é pecado

• também reter deliberadamente os bens empres-tados ou objetos perdidos;

• defraudar no comércio;

• pagar salários injustos

• Este mandamento exige:

• Manter as promessas

• Observar rigorosamente os contratos

• Pagar as dívidas

• O respeito ao direito de propriedade

• O respeito aos princípios razoáveis de justiça social e distribuição de renda

• Oferecer condições de trabalho e salários adequados; ser sensível aos pobres

• “Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a traça e o caruncho os corroem e onde os ladrões arrombam e roubam, mas ajuntai para vós tesouros nos céus, onde nem a traça, nem o caruncho corroem e onde os ladrões não arrombam nem roubam; pois onde está o teu tesouro aí estará o seu coração. (...).

• Ninguém pode servir a dois senhores. Com efeito, ou odiará a um e amará o outro, ou se apegará ao primeiro e desprezará o segundo. Não podeis servir a Deus e ao Dinheiro” (Mt 6, 19-21.24).



6º E 9º MANDAMENTOS

:“NÃO PECAR CONTRA A CASTIDADE”
“NÃO COBIÇAR MULHER DO PRÓXIMO”


• ESSES MANDAMENTOS ORIENTAM A CONSCIÊNCIA PARA A CASTIDADE


• CASTIDADE: VIRTUDE QUE INTEGRA CORRETAMENTE A SEXUALIDADE NA PESSOA E GERA UNIDADE INTERIOR.

• PROMOVE UMA AUTÊNTICA DOAÇÃO ENTRE AS PESSOAS.

• MEIOS PARA VIVER:

• AUTO-CONHECIMENTO (conhecer o próprio corpo, a própria estrutura psicológica, as próprias fraquezas)

• DISCIPLINA PESSOAL E DOMÍNIO DE SI (para gerar equilíbrio e sadia gestão dos próprios afetos e impulsos sexuais)

• A ORAÇÃO (A castidade é um dom a ser pedido a Deus)

• O PUDOR: orienta olhares, gestos, evita conversas impróprias, bem como roupas inadequadas.

• O prazer sexual

• Está ordenado =>

• à procriação

• e união dos esposos

POR ISSO: A BUSCA DO PRAZER SEXUAL FORA DO MATRIMÔNIO É ILÍCITO.

• PECADOS QUE FEREM A CASTIDADE:

– MASTURBAÇÃO (prazer venéreo obtido pela excitação voluntária dos órgãos genitais)

– FORNICAÇÃO: (uniões sexuais antes do matrimônio)

– PORNOGRAFIA: (assistir, ver ou ler conteúdos que visem uma mera excitação e prazer sexual)

– ESTUPRO: (uso de violência nas relações sexuais)

– ADULTÉRIO (manter contatos afetivo-sexuais com outras pessoas que não sejam o próprio cônjuge ou manter tal contato com pessoas casadas).

• “... Todo aquele que olhar para uma mulher com desejo libidinoso já cometeu adultério com ela no seu coração. Caso teu olho te leve a pecar, arranca-o e lança-o fora de ti, pois é preferível que se perca um dos teus membros do que todo o teu corpo seja lançado no inferno. Caso a tua mão direita te leve a pecar, corta-a e lança-a para longe de ti, pois é preferível que se perca um dos teus membros do que todo o teu corpo vá para o inferno” (Mt 5, 27ss)

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

5º MANDAMENTO “NÃO MATARÁS” (Ex 20, 13)


Só Deus é dono e tem poderes absolutos sobre a vida (desde sua concepção até o seu final)


A ninguém é permitido interromper a vida em seu desenvolvimento e ciclo natural

No caso de legítima defesa (recurso extremo para defender a própria vida é direito e dever, especialmente os responsáveis pelos outros).

Os assassinos e colaboradores do assassinato realizam um pecado grave.


Aborto (interrupção da gravidez em qualquer etapa de seu desdobramento)

Eutanásia (processo de interrupção da vida em estado de pessoas doentes, deficientes ou moribundas).

A interrupção de procedimentos onerosos, perigosos, extraordinários ou desproporcionais aos resultados esperados pode ser legítima.

O suicídio (interrupção da própria vida)


É ilícito e imoral produzir embriões humanos destinados a serem explorados como material biológico disponível;

Tentativas de intervenção sobre o patrimônio cromossômico ou genético são contrárias à dignidade humana.

ESCÂNDALO: atitude ou comportamento que leva o outro a praticar o mal.


Quem provoca o escândalo torna-se tentador do próximo.

Passa a ser falta grave se por omissão ou por ação levar o outro a também cometer uma falta grave.

É bastante grave quando realizado por um educador, uma autoridade e formador de opinião.

Também tal escândalo pode ser provocado:


Pela lei

Pelas instituições

Pela moda

Pela opinião

O cuidado da saúde: exige dos cidadãos e dos governantes oferecer a todos condições para obter:


Alimento

Vestuário

Moradia

Saúde

Educação

Emprego

Assistência social

São condenados:


O culto ao corpo

O abuso da comida, do álcool, do fumo e dos medicamentos.


O USO DE DROGAS É FALTA GRAVE E A PRODUÇÃO E TRÁFICO SÃO PRÁTICAS ESCANDALOSAS

SÃO TAMBÉM CONDENADOS:


Terrorismo

Tortura

Sequestro

A cólera (desejo de vingança)

O ódio (raiva ou rancor deliberado e alimento, de modo a desejar o mal do próximo)

A guerra só é lícita quando estão em jogo as obrigações pela defesa nacional;


Sempre será o último e extremo recurso a ser usado
 
“Ouvistes o que foi dito aos antigos: ‘não matarás’; aquele que se encolerizar com seu irmão, terá de responder no tribunal; aquele que chamar ao seu irmão Cretino! estará sujeito ao julgamento do Sinédrio e aquele que lhe chamar Louco terá de responder no fogo do inferno” (Mt 5, 21-24)

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Por uma paidéia democrática!


O tema da educação e pedagogia gregas constitui uma vitrine de notável importância para captar a visão humana e humanista que marcou a cultura grega. Berço das primeiras grandes conquistas do pensamento e das lapidares sínteses filosóficas, a Grécia teve produções geniais no campo da literatura e das artes. Por isso, tornou-se berço da cultura do mundo ocidental e da nossa sociedade. A valorização da pessoa humana e sua dignidade como também de sua liberdade foi fundamento da cultura grega. Tal está em contraste com as idéias das grandes civilizações antigas onde as pessoas individualmente eram mortificadas e usadas como elemento construtivo das pirâmides sociais, o que culmina no absolutismo de quem detém o poder. Prevalece aqui a classe guerreira. Também são influentes os escribas e detentores da cultura, bem como os funcionários daquela estrutura político-social na qual se enquadra a instrução.



Na cultura grega, nasce o ideal de formação do cidadão da pólis. Eis o ideal educativo expresso com a palavra Paideia. Entre seus pontos mais importantes cabe destacar:


1. Um grande senso do valor do homem: compreeendido em todas as energias e de todos os dotes da natureza humana, não tomados em abstrato, mas em concreto no indivíduo. Valor no senso de valentia, excelência, superioridade. Expresso tal valor compreensivamente pelo termo grego areté, traduzido aproximativamente como "virtude".

2. Disso resulta uma grande abertura a todos os valores humanos: desde os valores físicos (celebrados através das competições pan-helênicas e olimpíadas, perpetuadas pelos poetas e pelo pincel dos artistas), até os da inteligência (levados ao máximo nas escolas filosóficas e nas produções de arte) até aqueles da vontade e da liberdade (expressos na vida civil nas democráticas assembléias dos agorás e nas participações dos cidadãos das cidades-estado livres). Os agorás eram lugares onde os cidadãos se reuniam para falar livremente de seus problemas e dizer sem medo o que pensam, claro, sempre comprometidos com o bem comum. Aqui estamos diante de uma educação eminentemente humanista (pela tendência à formação de um homem ideal) e liberal (pela cordial aversão e prático descurar das atividades operosas e das formas de vida que eram consideradas indignas de um livre cidadão grego e digna somente dos escravos).

A paidéia era pois, a projeção sobre formação do cidadão onde a harmonia visava a fusão harmônica do belo e do bom. O belo da perfeição física e o bom entendido como resultante das mais variadas habilidades humanas de sabedoria, prudência, de cultura, de capacidade política. Com a democracia ateniense vem à baila um conceito de areté fundada na igualdade de todos perante a lei (isonomia) e o reconhecimento do papel decisivo das leis na educação cívica.

Sócrates (469-399 a.C.) educador da juventude, restabeleceu a confiança na validade objetiva da razão, através da descoberta do "conceito" que superando a subjetividade e os limites da sensibilidade colhe o que no conhecimento é universal e, portanto, objetivamente válido. Valores humanos tornam-se a base segura da educação. A orientação moral visa o fim do homem, a saber, a felicidade. E para atingi-la, ocorre percorrer um ordenamento virtuoso, inseparável com o reto conhecimento. A maieutica socrática, essencialmente dialógica, é marcada pelo ativismo didático e educativo. A educação constitui um processo interior. Platão (428-348 a.C.) apresenta a idéia como a fundação objetiva dos valores, mas continua a austera linha pedagógica, tanto do ponto de vista intelectivo (a contemplação filosófica da verdade) quanto do ponto de vista ético. Destaca-se a ascese, da separação do mundo das sombras para viver a reconquista das idéias como elemento fundamental da educação. Para ele, a virtude cardeais da prudência, justiça, fortaleza e temperança são fundamentais para o equilíbrio dos apetites. Destaque seja dado, no pensamento do filósofo, a figura dos filósofos-governantes enquanto educadores do povo. Chega-se, assim, à concepção do estado-educador e da educação como rigorosa função do estado. Algumas dimensões da educação em Platão merecem destaque, a saber: a dimensão do éros-educativo cuja metodologia é o amor que une educador-educando na gradual subida rumo ao "Bem" sumo. Aristóteles (384-322 a.C.) diz que o escopo da pedagogia e da educação é a felicidade. Esta constitui um harmonioso desenvolvimento e perfeição de todas as potencialidades à luz da racionalidade.

A história da pedagogia trás uma contribuição bastante válida, a meu ver, para que se colha a visão de homem que está por trás de toda uma ação educativa. Dos gregos, colheremos este ideal do homem livre, com direitos e deveres, capaz de participar ativamente da vida pública de uma maneira consciente e democrática. Escolher destinos, debater idéias, ser protagonista, ator e construtor no processo de fazer a polis acontecer: eis a paidéia democrática! Não um mero expectador passivo. E no substrato desta conquista titânica de alta envergadura política está, com certeza, a visão de pessoa humana que se articulou e difundiu na educação. Quando a ação educativa é cerceada ou mergulha em restrições ideológicas, ou quando certos populismos messiânicos tendem a domesticar os cidadãos ignaros em currais ou em circos onde imperam festas e esmolas, então não teremos liberdade em chave de democracia marcadamente participativa e consciente. É preciso multiplicar os agorás enquanto espaços de discussão dos problemas, de busca de solução, numa vivência participativa e operosa da política. Com efeito, política não se reduz ao que se discute ou se decide, se voto ou se executa no poder executivo ou legislativo. Os gestores públicos e os representantes do povo exercem em nome do povo o poder, mas todos são responsáveis com o bem de todos, ou seja, o bem comum. Se a escolha consciente pelo voto, de tais políticos faz da democracia um meio idôneo para o exercício do poder, então há que se ter presente a idoneidade moral e a capacidade adequada para o exercício de tais mandatos.

Não só nos períodos eleitorais, mas continuamente é preciso fazer acontecer e acionar os agorás. Sugere-se, pois, que uma educação focada na formação para a liberdade responsável, a partir de valores cívicos consolidados; tal foi o quinhão a nós transmitido pela cultura helênica. Cabe não deixá-lo esvair-se, a fim de que a política seja uma verdadeira busca do bem comum, sem imiscuir-se em tétricas falências éticas que só geram atraso e corrupção. A pessoa humana foi chamada a ser feliz. Os gregos visavam fortemente essa meta. E na liberdade, alicerçada e substanciada na verdade, a felicidade não faltará para juntar-se às suas inseparáveis companheiras. Com certeza, ao se falar de política como se viu acima, o bem comum é ponto de chegada, onde as instituições são ponto de passagem. Bem comum, onde o estado é educador por facilitar e animar não só o cultivo da prosperidade e do desenvolvimento sustentável, a partir do trabalho, cuidado com meio ambiente e incentivo da produção, bem como a distribuição o mais razoável quanto possível, de tais bens. Além disso, é também o educador, o incentivador e protetor das liberdades e direitos inalienáveis de todos e de cada indivíduo. Cabe ao estado ser guardião zeloso da vida desde sua concepção até o seu ocaso natural, da dignidade da família, da sociedade, da própria política, a liberdade de expressão e de culto religioso, bem como de convicções pessoais, desde que não atente aos princípios acima referidos, da justiça social e das condições de vida plena para todos. Há que se insistir nesse projeto político onde não haja mais espaço para figuras reconhecidamente incompetentes ou marcadas pelo descaso para com os princípios da ética na política e na gestão dos recursos públicos. Urge se precaver das pessoas que vivem uma ética oportunista em seus discursos de tempos de campanha. Jesus lembrou da necessidade de não se enganar com lobos fantasiados de ovelhas, em suma, importa buscar e fazer acontecer a paideia democrática!. Parece um sonho impossível? Será uma quimera? Uma utopia distante, da qual só nos resta rir ou abanar a cabeça dela desistindo? Quanto mais valores e sonhos são taxados como inatingíveis, mais inatingíveis eles se tornam, não em si mesmos mas para quem deles desistiu E por ter entregue os pontos, tal desistente ficou no meio do caminho, perdeu o trem da história e quem sabe, por sua atitude culposamente resignada, será lançado no lixo dessa mesma história que não quis ou teve medo de edificar.



Pe. Marcos Chagas.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Política: um tempo de reflexão e escolhas!


Vive-se um tempo marcado por um grande evento: as eleições. Com efeito, é um tempo importante, decisivo, capaz de colocar representantes do povo e governantes os quais prestarão o serviço da autoridade (esperemos que não seja um uso irresponsável do poder). Falo de autoridade pois a palavra quer dizer: Auctoritas: "aquele que faz o outro crescer"

Várias coisas preocupam: as idéias, os oportunismos eleitoreiros, a corrupção, as mentalidades, o jogo de interesses, os contra-valores. Alguns bispos têm alertado a respeito do risco de termos novos Herodes, abrindo brechas para que inúmeros inocentes sejam cruelmente assassinados. Além disso, a corrupção, as pressões e opressões tendem a aviltar o jogo democrático. A festa democrática não deve descambar em um velório democrático.
Preocupa também os novos eleitos para o congresso: o palhaço Tiririca (será que sabe ler e entende o que leu?), gente de má índole (fichas sujas ou notoriamente envolvidos em corrupção) e outros sem competência, além de gente que nega fatos consumados, comprovados ou vivem contradições grosseiras, na patética tentativa de negar evidências. É preocupante que haja políticos exageradamente incomodados com a liberdade de imprensa ou desgostosos em ouvir qualquer pensamento ou posicionamento diferente ou dissonante do seu. Se tem eleitor que é alienado (não acompanha a política, não analisa o histórico dos candidatos ou vota usando critérios tolos e infantis ou marcados pela maldade mesmo), por outro tem muito eleitor corrupto (vende o voto por dinheiro e outros favores). Isso trava as possibilidades de crescimento e avanços efetivos de um país. Não somente em termos de PIB ou mesmo de distribuição de renda, mas também em termos de ética, de respeito pelo verdadeiro bem comum, pela justiça e honestidade, retidão e transparência. Entre os políticos parece que quem não entra no jogo da corrupção, da compra de votos através de favores e agrados, não tem vez para ganhar uma eleição. É como se não houvesse espaço para gente séria, do bem, com boas intenções e devida competência para honrar o parlamento e o executivo, engajados na busca do bem de todos e não só de uma curriola. É alarmante a hipocrisia e a mudança de opinião em função das conveniências eleitoreiras.
Os rumos do país estarão nas mãos da pessoa que será eleita para estar à frente do executivo nacional, no segundo turno destas eleições. Os debates se acirram; contrapõem-se as idéias, os projetos, a história e os valores dos candidatos. Precisamos pensar, avaliar e escolher com seriedade. O Brasil, pátria amada e mãe gentil, precisa de pessoas comprometidas com o bem comum para fazer desta nação uma grande família, onde o progresso e a prosperidade aconteçam com o respeito à liberdade de expressão, bem como na defesa férrea dos direitos inalienáveis de todos os homens e mulheres, cidadãos e cidadãs desta terra de santa cruz

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Abraça Jesus crucificado, amante e amado


Caro filoteu, amigo de Deus. Deixo-te com estas palavras profundas, sublimes, carregadas da sabedoria da cruz e da inteligência da fé, exortações incomparáveis de Catarina, essa amiga apaixonada do Senhor, alma esposa do mais alto gabarito, crucificada com Cristo e com Ele transfigurada em santidade.

Título da carta: Abraça Jesus crucificado, amante e amado
“Querida irmã em Jesus,

Eu, Catarina, serva dos servos de Jesus, escrevo-te no Seu precioso sangue, desejosa de que te alimentes do amor de Deus e de que dele te nutras, como do seio de uma doce mãe. Ninguém, de facto, pode viver sem este leite!
Quem possui o amor de Deus, nele encontra tanta alegria que cada amargura se transforma em doçura e cada grande peso se torna leve. E isto não nos deve surpreender porque, vivendo na caridade, vive-se em Deus: ‘Deus é amor; quem permanece no amor habita em Deus e Deus habita nele’. Vivendo em Deus, por conseguinte, não se pode ter amargura alguma porque Deus é delícia, doçura e alegria infinita!
É esta a razão pela qual os amigos de Deus são sempre felizes! Mesmo se doentes, necessitados, aflitos, atribulados, perseguidos, nós estamos alegres. Mesmo quando todas as línguas caluniosas nos colocarem em má situação, não nos preocuparemos, mas nos alegraremos com tudo porque vivemos em Deus, nosso repouso, e saboreamos o leite do seu amor. Como a criança suga o leite do seio da mãe, assim nós, enamorados de Deus, atingimos o amor de Jesus Crucificado, seguindo sempre as Suas pegadas e caminhando com Ele pelo caminho das humilhações, das penas e das injúrias. Não procuramos a alegria se não em Jesus e fugimos de toda a glória que não seja aquela da cruz.
Abraça, Jesus Crucificado, portanto; elevando a Ele o olhar do teu desejo! Toma em consideração o Seu amor ardente por ti, amor que O levou a derramar sangue de todas as partes do seu corpo!
Abraça Jesus Crucificado, amante e amado e nele encontrarás a verdadeira vida, porque Ele é Deus que se fez homem. Que o teu coração e a tua alma ardam pelo fogo do amor do qual foi coberto Jesus cravado na cruz!
Tu deves, portanto, tornar-te amor, olhando para o amor de Deus, que tanto te amou, não porque te devesse obrigação alguma, mas por um puro dom, impelido somente pelo Seu inefável amor. Não terás outro desejo para além daquele de seguir Jesus! E, como que inebriada do Amor, não farás caso se te encontras só ou acompanhada: não te preocuparás com tantas coisas mas somente de encontrar Jesus e segui-lo!
Corre e não estejas a dormir, porque o tempo passa e não espera nem um momento!
Permanece no doce amor de Deus.

Doce Jesus, amor Jesus.»

(Santa Catarina de Sena, "Cartas", carta 165)

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A TRAMA E O DRAMA DA HISTÓRIA HUMANA SOB A GUIA DA PROVIDÊNCIA DE DEUS NO PENSAMENTO DE SANTO AGOSTINHO.


Cidade de Deus. A monumental obra de Agostinho, desdobrada em vinte e dois livros, é uma profunda reflexão sobre a vida, a história, o sofrimento e o sentido da vida. O autor empregou treze anos para redigir tal obra que ele considerara imensa e árdua. Havia passado um século que os cristãos passaram a gozar da liberdade para cultuar o Deus revelado por Jesus Cristo e destronara pouco a pouco o paganismo e seus deuses.

Agostinho faz uma reflexão mais atenta da história e não permite a si, nem a outrem, leituras superficiais. Com efeito, ele não se limita às convulsões sangrentas da invasão dos bárbaros. O horizonte se amplia, para que se perceba o fio condutor da história universal. Os godos de Alarico, com seus cavalos vindos do norte, transformam a cidade eterna em uma fogueira cuja fumaça se inala em todo o império, gerando consternação e pasmo. Entretanto, tudo isso não passa de minúsculo episódio da luta permanente, cujos combatentes são a Cidade de Deus e a Cidade Terrestre. “Para ele, tanto as civilizações como os Estados envelhecem e morrem. O importante é escrever de modo cristão nas linhas tortas da história humana” (HAMANN, 1989, p. 288-289). Com efeito, aos conflitos internos, eram adicionados os acontecimentos da Itália e de Roma que se refletiam sobre a cidade. Os cristãos viviam uma perplexidade desconcertante oriunda das recriminações dos pagãos, e isto, não poucas vezes lhes era mais penoso para enfrentar que a própria ruína da sede do império. Com oportuna sensatez a contra-argumentação não se faz esperar: “Abri as portas de todas as guerras, quer anteriores à fundação de Roma, quer posteriores a seu nascimento e à organização de seu império, lede-as e mostrai-nos estrangeiros, inimigos, senhores de cidades conquistadas, que tenham poupado aqueles que sabiam estar refugiados nos templos de suas divindades, mostrai-nos algum chefe bárbaro que, em cidade por ele forçada, haja ordenado se poupasse toda pessoa surpreendida neste ou naquele templo” (AGOSTINHO, 1989, p. 29).

Em novembro de 410, vive-se, no norte da África, o tempo da colheita das azeitonas. E Agostinho, a exemplo de Cristo, qual competente mistagogo , serve-se da vida cotidiana do povo para instruí-lo a respeito dos sublimes mistérios, entre os quais o mistério da cruz, eterna fonte de ressurreição. Segundo o doutor da graça e da providência de Deus na história, benefícios e calamidades estão misturados. Colher os primeiros significa também colher as segundas. O mundo, então, assemelha-se à prensa em ação, onde as azeitonas colhidas e depois de esmagadas tornar-se-ão ou azeite dourado, preciosamente recolhido ou bagaço que escorre para o esgoto. Os cristãos deverão estar atentos a estas lições (AGOSTINHO apud HAMANN, 1989). Ante os dramas vividos e as perplexidades que enfraqueciam os corações mais débeis em busca de uma leitura de fé a respeito do desabamento das seguranças humanas, no que tange a tais escolhos, o bispo assim se expressa aos seus fiéis: “O mundo está transtornado como se estivesse numa prensa. Coragem, cristãos, sementes de eternidade, peregrinos neste mundo, a caminho do céu! As provações que se multiplicam são o destino dos tempos cristãos, mas não constituem um escândalo para o cristão. Se amas este mundo, blasfemarás contra Cristo. E é isso o que te sopra o teu amigo, o teu conselheiro. Mas não deves escutá-lo. Se este mundo está sendo destruído, diz a ele que Cristo o previu” (AGOSTINHO, apud HAMANN, 1989, p. 274).

Ainda na condição de peregrinos, os cristãos não se devem considerar alheios ao que acontece na terra, haja vista que a cidade celeste não está apenas na bem-aventurança eterna. Cabe aos discípulos de Cristo lutar para que a Cidade de Deus cresça na terra, avançando sobre o terreno da Cidade Terrestre. Começa neste mundo e cabe-lhes construí-la, sem seu primeiro estágio. “Com alicerces provisórios, o arquiteto do universo constrói a cidade permanente, em direção à qual nos pede que direcionemos nossos passos” (AGOSTINHO apud HAMANN, 1989, p. 308). Ademais, o incessante e luminoso objetivo do cristão, na terra, será o de guardar sua identidade de peregrino da Cidade de Deus Algo de grande importância em tal reflexão é a linha divisória das duas cidades a qual é invisível, haja vista estar no coração de cada homem e mulher. “Se quiseres saber qual é a cidade e a que chefe obedeces, escruta teu coração e examina teu amor” (AGOSTINHO apud HAMANN, 1984, p. 306-307). Vem à baila, a partir dessa verificação interior, um drama que o coração agostiniano sofrerá penosa e ardorosamente: a divisão fragmentadora, a inquietude e anseio por esta unidade interior, sofridamente perseguida e nem sempre obtida: “Nosso coração está dividido. Quem semeou esta guerra em mim?” (Ib.). Na seqüência, a evocação do campo de batalha nos remete ainda outra vez para o coração humano: “A fronteira entre Cristo e o mal passa pelo interior de nós mesmos, entre nossa alma cristã e nossa alma pagã” (Ib.). Arrematando tal consideração, o bispo hiponense afirma a invisibilidade de tal fronteira: “É uma fronteira invisível para qualquer um além de Deus, que escruta os corações e as entranhas dos homens” (Ib.). Este filósofo cristão da história humana a interpreta à luz dos dois amores que se digladiam pelo coração humano, a fim de levá-los a ser construtores de cidades de alicerces, estruturas, consistências e finalidades antagônicos e opostos: “Dois amores, pois, duas cidades, a saber; o amor próprio levado ao desprezo de Deus, a terrena; o amor de Deus levado ao desprezo de si próprio, a celestial. Gloria-se a primeira em si mesma e a segunda em Deus, porque aquela busca a glória dos homens e esta tem por máxima glória a Deus, testemunha de sua consciência” (AGOSTINHO, 1990, p. 169).

Agostinho faz uma leitura esperançosa da história humana. Esta terá o seu ocaso com o Dia do Senhor, que será o dia oitavo, uma domingo sem fim, consagrado à ressurreição de Cristo onde terá se desdobrará o repouso eterno. Para isso, ocorre que o homem viva e cumpra sua essência, não mais na cupiditas, isto é voltado para si e para as coisas do mundo. Há que viver a cháritas, voltado para Deus e amando as criaturas em função de Deus. Os bens finitos hão de ser usados como meios e não devem ser desfrutados ou cobiçados como se fossem fins (REALE-ANTISERI, 2007). A mística da Cidade de Deus o requer!

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:

AGOSTINHO, Santo, A Cidade de Deus, parte I, 11ª edição, Petrópolis, Vozes, 1989.

-, A Cidade de Deus, parte II, 2ª edição, Petrópolis, Vozes, 1990.

HAMANN, A., Santo Agostinho e seu tempo, S. Paulo: Paulinas, 1989

REALE G.-ANTISERI, D., História da Filosofia. Patrística e Escolástica, vol. 2, 3ªed., S. Paulo: Paulus, 2007.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O pobre Lázaro: uma história....


As exigências da justiça social no Evangelho: o exemplo de Lázaro, o pobre.




«havia um homem rico que se vestia de púrpura e linho fino e cada dia se banqueteava com requinte. Um pobre, chamado Lázaro, jazia à sua porta, coberto de úlceras. Desejava saciar-se do que caía da mesa do rico... e até os cães vinham lamber-lhe as úlceras. Aconteceu que o pobre morreu e foi levado pelos anjos ao seio de Abraão. Morreu também o rico e foi sepultado.


Na mansão dos mortos, em meio a tormentos, levantou os olhos e viu ao longe Abraão e Lázaro em seu seio. Então exclamou: “Pai Abraão tem piedade de mim e manda que Lázaro molhe a ponta do dedo para me refrescar a língua, pois estou torturado nesta chama”. Abraão respondeu: “Filho, lembra-te de que recebeste teus bens durante tua vida, e Lázaro por sua vez os males; agora, porém, ele encontra aqui consolo e tu és atormentado. E além do mais, entre nós e vós existe um grande abismo, a fim de que aqueles que quiserem passar daqui para junto de vós não o possam, nem tampouco atravessem de lá até nós”.


Ele replicou; “Pai, eu te suplico, envia então Lázaro até à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos; que leve a eles seu testemunho, para que não venham eles também para este lugar de tormento”.


Abraão, porém respondeu: “Eles têm Moisés e os Profetas: que os ouçam”. Disse-lhe ele: “Não, pai Abraão, mas se alguém dentre os mortos for procurá-los, eles se arrependerão”. Mas Abraão lhe disse: “Se não escutam nem a Moisés nem aos Profetas, mesmo que alguém ressuscite dos mortos, não se convencerão»[1].



Este texto, todo transcrito nesta postagem tem como objetivo mostrar a responsabilidade e o compromisso dos cristãos, especialmente os que possuem mais recursos, neste processo de administrar os bens de Deus. Todo este capítulo 16 de Lucas é uma inteira catequese sobre o uso das riquezas. Trata-se de uma parábola proposta de considerar a condição presente à luz da eternidade.

O homem rico que usava mal dos seus recursos materiais, porque o seu egoísmo profundo o centralizava em si mesmo, nas próprias comodidades e nos próprios caprichos é um ensino forte, exigente, comprometedor. Como se percebe, é um alguém sem nome, um anônimo nesta história de salvação uma vez que no seu egoísmo, ele se excluiu da salvação de Deus. Este rico é imagem de um alguém despersonalizado, em vista de sua existência falida, esterilizada, tornado infrutífero pela sua centralização em si mesmo. Não pensar nos outros necessariamente significa ignorar o próprio Deus, Ele que é uma comunidade, a plena comunhão, a partilha, diversidade e unidade no seu mistério trinitário. O eu se descobre relacionando-se com um tu, para formar um nós. Quem não se relaciona não ama e quem não ama não pode descobrir-se. O rico ficou conhecido como epulão, isto é, banqueteador, um comilão. Como dizia Paulo, «seu fim é a destruição, seu deus é o ventre, sua glória está no que é vergonhoso, e seus pensamentos no que está sobre a terra»[2]. Jesus tira o pobre do anonimato: ele tem um nome, ele é alguém, seu nome é Lázaro que significa “Deus ajuda”. Fome e doença o fazem prostrar-se diante da porta do rico, esperando de matar a fome de tudo que cai na mesa do rico, esperando de matar a fome de tudo que cai da mesa farta do abastado egoísta. Até mesmo o cachorro tem piedade de Lázaro e o rico não percebe, é negligente.

Esta parábola nos oferece um quadro feito de imagens muito sugestivas, simples, de tonalidades fortes, sem detalhes ou refinamentos literários. É por isso que nos obriga a buscar sinceramente o essencial. De fato, no tempo o homem decide o seu destino eterno, vida ou morte, e não existe outra possibilidade de opções. Quem confia em si mesmo e em uma felicidade egoísta, construída com as próprias mãos, entra nas trevas e desde já é um cego, ao ponto de não ver o mendigo sentado à porta de casa.

O silêncio do pobre mendigo parece ser o traço característico do vulto de Lázaro. Duramente provado pela vida, descuidado por aqueles que poderiam ajudá-lo, ele se cala. Nenhuma palavra contra Deus ou contra os homens. Nem rebelião, nem críticas, nem inveja. A morte chega para Lázaro como uma libertação. O sono que desfecha o percurso terreno se apresenta como um divisor de águas implacável, determinante e sob a luz inatacável da verdade que brota de Deus cada qual segue o seu infalível destino eterno. Cada um colherá o que plantou.

Jesus retira o véu e nos introduz na eternidade mostrando-nos o grande banquete da eternidade. Lázaro é um dos destacados comensais. É como diz a Escritura: «Levanta do pó o fraco e do monturo o indigente, para os fazer sentarem-se entre os nobres e colocá-los num lugar de honra»[3]. Oposta é a sorte do rico que entre os tormentos infernais vê o pobre do outrora e ousa pedir auxílio para sua inexorável pena. O ardor lhe devora o paladar, o mesmo paladar que antes de deleitava em finas iguarias. As opções da vida presente selam de maneira definitiva a imutável as condições da vida eterna. Por isso, como o apóstolo Paulo, o cristão pensa e vive em função da eternidade: «Mas a nossa cidade está nos céus, de onde também esperamos ansiosamente como Salvador o Senhor Jesus Cristo, que transfigurará o nosso corpo humilhado, conformando-o ao seu corpo glorioso, pela força que lhe dá poder de submeter a si todas as coisas»[4].

Nem mesmo um milagre como a ressurreição de um morto – diz Jesus fazendo alusão a si mesmo – poderia aliviar o endurecimento do coração de quem incessantemente se recusa a escutar e levar à sério o que dizem as Escrituras. Quem converte e salva não são necessariamente os prodígios (até a ressurreição de Lázaro[5], da filha de um chefe[6], do filho da viúva[7] e do próprio Senhor[8]) não foram suficientes para convencer as pessoas fechadas e de coração duro. Sobre estas dificuldades da aceitação das óbvias evidências da ressurreição do Senhor por parte das lideranças religiosas do tempo de Jesus, se percebe o quanto essa verdade é grande. Eles tiveram uma ótima oportunidade de tornarem-se testemunhas da ressurreição de Jesus e permaneceram expectadores que preferiram vantagens materiais, prestígio e acomodação. Caminharam na mentira. Por isso, nem a ressurreição do Senhor para estes conseguiu mudar os rumos de uma opção direcionada por um coração endurecido. Somente um encontro silencioso, humilde, orante e meditativo, reflexivo e contemplativo com a Palavra de Deus. Um encontro que leve a pessoa a se dispor a viver e transbordar o mistério contemplado, somente isso poderá levar a uma transformação consistente de quem necessita de encontrar-se com o perdão e a graça revigoradora de Deus. São Luís Gonzaga, outrora nobre, fez-se religioso; ele reflete com muita sabedoria e precisão sobre esta realidade: «Não devemos blasonar por causa do nosso nascimento, porque no fim da vida as cinzas de um príncipe não se distinguem das de um pobre qualquer!

Quem mais alto está por destino do nascimento, pela riqueza de bens, pela elevação da cultura e do engenho, tanto mais deve prestar contas a Deus dos seus atos e da sua vida.

Quanto menor do que os outros o homem se fizer, tanto maior será, porque quanto mais alguém é humilde, tanto mais semelhante é e chegado a Cristo, o qual será acima de todos»[9]. Nesta mesma linha S. Gregório Magno ensina: «Que cada um seja juiz equilibrado entre si e os pobres. Que uma comiseração alegre e segura descarte qualquer falta de confiança; e aquele que ajuda ao indigente compreenda que está dando a Deus a esmola que distribui»[10].

Comenta o doutor místico: «Os sabores que deliciam o paladar ocasionam diretamente gula e embriaguez, cólera e discórdia, falta de caridade para com o próximo e os pobres, como teve para com Lázaro aquele mau rico, que se banqueteava cada dia esplendidamente (Lc 16, 19). Daí nascem ainda as indisposições corporais, as doenças, e também os movimentos desregrados, porque se aumentam os incentivos da luxúria. Por sua vez, fica o espírito como submerso em grande torpor; o desejo e o gosto dos bens espirituais diminui de tal sorte que já não os pode suportar, nem mesmo se deter ou se ocupar neles. Esse gozo produz ainda o descontentamento de muitas coisas, distração dos demais sentidos e do coração»[11].Lázaro é acolhido pelos anjos do céu e Deus quer que os Lázaros de hoje sejam acolhidos pelos anjos da terra que são os cristãos os quais como mensageiros do Senhor devem assumir a realidade forte e exigente que somente a fé permite de enxergar: Lázaro é Jesus, o Cristo, disfarçado. Se lermos atentamente o texto de Mateus a respeito do juízo universal poderemos nos convencer disso[12]. Com efeito, uma figura sobrenatural emana da figura de Lázaro: é Jesus o qual não considerou um tesouro imperdível a sua natureza divina, mas se fez pobre para nos fazer participantes dos seus bens. Seu eterno e infinito amor O faz apresentar-se nas vestes da humildade e o fez atravessar o abismo existente entre o céu e a terra. E Jesus se senta à porta do nosso coração e bate... : «Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele e ele comigo»[13]. Que Ele não permaneça faminto nos irmãos por não termos aberto para ele a porta do nosso coração como foi o caso do rico epulão.

[1] Lc 16, 19-31.

[2] Flp 3, 19.

[3] 1Sm 2, 8.

[4] Flp 3, 20-21.

[5] Cf. Jo 11, 1-44.

[6] Cf. Mt 9, 18-19.23-26. Veja-se também Mc 5, 21-24.35-43 e Lc 8, 40-56.

[7] Cf. Lc 7, 11-17.

[8] Cf. Mt 128, 11-15.

[9] R. BRUNELLI, Um homem chamado Luís, Loyola, S. Paulo, 1991, p. 113.

[10] S. GREGÓRIO MAGNO, Sermão sobre as coletas, XI sermão in Sermões, Paulus, S. Paulo, 1996, n. 2.

[11] S. JOÃO DA CRUZ, Salita del monte Carmelo, L. III, cap. 25.

[12] Cf. Mt 25, 31-46.

[13] Apc 3, 20

pobres: os que valorizam os dons!


Em nenhuma hipótese, se confunda desapego com desprezo. O livro do Gênesis, como vimos, nos mostra o quanto Deus se alegra por ter dado vida a todas as obras da criação e o quanto ele enfatiza a bondade e o valor das obras surgidas de suas mãos. O apóstolo também ensina: «Pois tudo o que Deus criou é bom e nada é desprezível»[1]. «Foi pela fé que compreendemos que os mundos foram criados pela palavra de Deus. Por isso, o mundo visível não tem a sua origem, em coisas manifestadas»[2].


E neste mistério da ação de Deus nos lançamos pela fé nos braços d'Aquele que na sua invisibilidade se deu a conhecer e, mergulhados na nossa finitude, reconhecemos cheios de gratidão a grande obra que o Senhor fez, dando-nos a vida.

Mesmo às apalpadelas, seguramos e mantemos acessas a lâmpada da fé e esperamos vigilantes o seu retorno a exemplo das virgens prudentes[3]. E essa vigilância se consolida e se arma dos meios de uma intensa fé que se defende de toda concepção racionalista ou materialista de um mundo que surge e se desenvolve sem Deus, negando-lhe a existência ou vivendo como se Ele nem existisse, considerando-O um ser distante, um alguém ausente, uma entidade a ser simplesmente ignorada e desprezada.

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[1] 1Tm 4, 4.

[2] Hb 11, 3.

[3] Mt 25, 1-13// Lc 12, 35-38. O tema da vigilância é muito enfatizado por Mt 24, 42-44; Lc 12, 35-40.

A PÓS-MODERNIDADE E UMA CULTURA PLURAL




Com o objetivo de uma melhor compreensão da realidade atual, tentarei fazer uma adequada contextualização da cultura pós-moderna, abordando seus desafios e suas novas características, suas possibilidades e limites. Esse foi um capítulo que abordei em uma monografia que escrevi. Parece-me interessante que saibamos o que acontece, ou melhor, o que motiva, está por trás do que acontece. Um mundo plural, a colocação em questão de todo um conjunto de valores e certezas que até então deles ninguém duvidava, abre uma panorâmica bastante nova a qual necessariamente deve ser investigada. Compreender para situar-se é um dever imposto pela própria conjuntura, tendo em vista nela agir de modo apropriado e eficaz. O ensino religioso deverá preparar os estudantes para uma inserção em um mundo concreto e por caber-lhes assumir uma atitude consciente, coerente e conseqüente ante a realidade, o protagonismo deles e delas pode constituir um valioso elemento de transformação e de construção de um mundo onde os valores façam a necessária diferença.



1. A formação da panorâmica atual



No passado, o regime da cristandade engendrou uma sociedade sacralizada a qual, comportava na relação Igreja-Mundo, uma situação de hegemonia monolítica não só pelo que diz respeito aos fiéis que da Igreja faziam parte como também pelo estado que a protegia e apoiava. Verificava-se uma verdadeira troca de serviços: a religião sacralizava o poder civil dando-lhe sustentação e o estado lhe respaldava anulando ou neutralizando assim a incidência social das outras instituições religiosas minoritárias. O pluralismo religioso abre um capítulo novo na história e a consciência do católico sofre seus efeitos. O Estado torna-se independente da necessidade de uma legitimação religiosa e os acontecimentos ligados ao advento da modernidade no primeiro mundo provocam seus influxos sobre o Brasil. No “supermercado” dos bens religiosos, seitas e novas Igrejas surgem, algumas oferecendo serviços religiosos focando um público alvo. Tal coincide por sua vez com a “volta do sagrado”. Algumas manifestações religiosas caminham lado a lado com manifestações de cunho paracientíficas, distadas em embalagens religiosas. Formas de transcendentalismo como a teosofia, meditação transcendental, técnicas adivinhatórias, horóscopo, magia, alguns fundamentalismos religiosos, cultos afros são exemplos desta complexidade variada e heterogênea. O fenômeno da fragmentação religiosa se manifesta, sobretudo em base de relações de clientela descompromissada onde é freqüente a passagem de uma Igreja para outra (MIRANDA, 1991– ANDRADE, 1993). T. B. Bottomore, professor da universidade de Sussex, na Inglaterra, afirmou: “A separação entre moralidade e religião é uma característica da mudanças culturais no último século” (BOTTOMORE, 1981, p. 230). O mesmo autor lembra que a religião se transformou cada vez mais em uma questão individual e privada. A moralidade tornou-se mais social onde a virtude individual não é tão importante quanto a justiça social. Afirma também que,

Na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, durante o último século, surgiram numerosas seitas novas, e muitas delas floreceram. Isso pode refletir uma “individualização da crença religiosa, que talvez deva ser examinada juntamente com a secularização, como característica destacada da situação religiosa nas sociedades industriais (BOTTOMORE, 1981, p. 227-228).


1.1 Origens e Identidade

Desde os finais dos anos 60 verifica-se uma profunda mudança cultural. Tais transformações se fazem sentir fortemente nos anos 70 com o fenômeno do pós-moderno. A necessidade de dar uma resposta ao exagerado cientificismo, ao brilhantismo inquestionável da razão humana e ao progresso se transformou em negação a estas maneiras de colocar a visão de mundo.

A segunda metade do século XX assistiu a um processo sem precedentes de mudanças na história do pensamento e da técnica. Ao lado da aceleração avassaladora nas tecnologias de comunicação, de artes, de materiais e de genética, ocorreram mudanças paradigmáticas no modo de se pensar a sociedade e suas instituições. De modo geral, as críticas apontam para as raízes da maioria dos conceitos sobre o Homem e seus aspectos, constituídas no século XV e consolidadas no século XVIII. A Modernidade surgida nesse período é criticada em seus pilares fundamentais, como a crença na Verdade, alcançável pela Razão, e na linearidade histórica rumo ao progresso. Para substituir estes dogmas, são propostos novos valores, menos fechados e categorizantes. Estes serviriam de base para o período que se tenta anunciar - no pensamento, na ciência e na tecnologia - de superação da Modernidade. Registra-se a exacerbação de certas características das sociedades modernas, tais como o individualismo, o consumismo, a ética hedonista, a fragmentação do tempo e do espaço. Seria, então, o primeiro período histórico a já nascer batizado: a pós-modernidade.

1.2. Autores e Idéias principais

Entre os autores principais a fazer uso do termo, destaca-se o francês Jean-François Lyotard, onde, segundo ele, a "condição pós-moderna" caracteriza-se pelo fim das metanarrativas. Os grandes esquemas explicativos teriam caído em descrédito e não haveria mais "garantias", posto que mesmo a "ciência" já não poderia ser considerada como a fonte da verdade. Segundo LYOTARD (1998,135)



As árvores de conhecimento são fundadas sobre princípios de auto-organização, de democracia e de livre troca na relação com o saber. Ao abandonar uma concepção feudal dos conhecimentos organizados em disciplinas, dominados pelos grandes conceitos, desenvolvem um espaço do saber produzido por todos, coextensivo à vida das coletividades humanas, sem muros nem fossos incontornáveis. A diversidade das competências e dos recursos cognitivos de qualquer comunidade pode, então, tornar-se visível. Um espaço de comunicação e de negociação entre todos ou atores implicados pelas relações com o saber é instituído. O mesmo instrumento pode ser manejado pelos indivíduos que oferecem competências, pelos empregadores que os procuram e pelos formadores que os transformam.

Para o crítico marxista norte-americano Fredric Jameson, a Pós-Modernidade é a "lógica cultural do capitalismo tardio". O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, um dos principais popularizadores do termo Pós-Modernidade no sentido de forma póstuma da modernidade, atualmente prefere usar a expressão "modernidade líquida" - uma realidade ambígua, multiforme, na qual, como na clássica expressão marxiana, tudo o que é sólido se desmancha no ar. Segundo Bauman, a marca da pós-modernidade é a vontade de liberdade (BAUMAN, 1997, p. 53). Já o filósofo alemão Jürgen Habermas relaciona o conceito de Pós-Modernidade a tendências políticas e culturais neoconservadoras, determinadas a combater os ideais iluministas. Gianni Vattimo (apud DANTAS, 2009, 184) acena à “dissolução da história” nos seus vários sentidos que se podem atribuir a essa expressão. É, de resto, a característica que distingue de modo mais claro, a história contemporânea da história “moderna”. Daqui, se conclui que não há coordenada originária, ou seja, inexiste um fio condutor capaz de dar inteligibilidade à história, nenhuma ligação intrínseca entre os acontecimentos, pois não há uma história única, mas inúmeras particulares. Fala-se, por conseguinte da pós-história ou dissolução da história (DANTAS, 2009, p. 184). A pós-modernidade emerge, enquanto negação humana do conhecimento do mundo, de si próprio, na relativização ou negação dos valores últimos que venham a dar sentido à inteligibilidade, à vida humana e à sociedade. A crise dos discursos unificadores, a fragmentação dos saberes, o fim das metanarrativas, a crise das utopias, o esvaziamento do conceito de verdade, em suma, chegou-se à descrença que para cada pergunta ou questionamento exista uma só resposta, provida de racionalidade ou cientificidade. Cada um formula a resposta que mais lhe agrada, e não existe nenhum critério para afirmar que uma resposta seja mais ou menos verdadeira que outra. Gilles Lipovetsky afirma que a “demanda de liberdade é superior àquela de igualdade” (LIPOVETSKY apud LIMA, 2009, 183).

Para Gianni Vattimo ( apud LIMA, 2009),

a chamada "pós-modernidade" aparece como uma espécie de Renascimento dos ideais banidos e cassados por nossa modernidade racionalizadora. Esta modernidade teria terminado a partir do momento em que não podemos mais falar da história como algo de unitário e quando morre o mito do Progresso. É a emergência desses ideais que seria responsável por toda uma onda de comportamentos e de atitudes irracionais e desencantados em relação à política e pelo crescimento do ceticismo face aos valores fundamentais da modernidade. Estaríamos dando Adeus à modernidade, à Razão (Feyerabend) Quem acredita ainda que "todo real é racional" (Hegel)? Que esperança podemos depositar no projeto da Razão emancipada, quando sabemos que se financeiro submetido ao jogo cego do mercado? Como pode o homem ser feliz no interior da lógica do sistema, onde só tem valor o que funciona segundo previsões, onde seus desejos, suas paixões, necessidades e aspirações passam a ser racionalmente administrados e manipulados pela lógica da eficácia econômica que o reduz ao papel de simples consumidor?

Conforme ZOCATELLI (1996, p. 23) vem à tona a teoria da “interpretação infinita”, originalmente amadurecida exatamente no campo da crítica literária, segundo a qual todo objeto de reflexão pode assumir significados “infinitamente” diversos; aplicada à vida social, a interpretação pós-moderna, mediante a qual cada um formula a própria resposta na impossibilidade de determinar significados autênticos e universais, produziu um “clima” que segundo INTROVIGNE (1995, apud ZOCATELLI, 1996, p. 23-24), tem os seguintes traços característicos:



Antes de tudo – em senso sociológico – se pode constatar simplesmente uma série de fatos: derrubados os mitos da modernidade para um percentual significativo dos nossos contemporâneos hoje a ciência não é mais segura que a magia, a medicina não é mais que a fé nas curas milagrosas, e assim por diante. A difusão, socialmente relevante, desta persuasão pode ser medida através de instrumentos sociológicos apropriados. Diferente é a teoria de filósofos do pós-moderno segundo o qual é justo que seja assim, e o real é simplesmente um facho de infinitas possíveis interpretações. Este tipo de teoria – por quanto se anuncie como o “novo” absoluto – representa simplesmente uma ulterior, talvez mais extrema, graduação do relativismo que constituía já a essência da modernidade.



A exacerbação do individualismo provoca um indiferentismo aos interesses comuns. O subjetivismo exacerbado se efetua em detrimento da objetividade e aciona uma provocação do desprestígio da política, do sentido da representatividade. Os valores e as idéias perdem a razão de ser, pois são sem sentido e assim pouco a pouco se cria uma situação de degradação existencial com um empobrecimento da capacidade de maravilhar-se, de ordenar a própria vida em função de um ideal e de amar ou usufruir da vida intensamente. O trabalho, por sua vez, perde sua dimensão de vocação, ação criativa e se reduz a um meio para suprir as necessidades do indivíduo, meio de fazer carreira. O amor e o matrimônio passam a ser vistos como fontes de gratificação psicológica e se rebaixam a meras e banais enfermidades. Renasce o sagrado como dimensão religiosa alternativa, emergente com o renascimento da astrologia.

Com o crescimento do individualismo e do subjetivismo entra em cena a ideologia neoliberal e até mesmo o neoconservadorismo na condição pós-moderna. Ora, uma parcela significativa de jovens brasileiros, especialmente aqueles pertencentes às classes alta e média vivem este momento cultural (ANDRADE, 1993– MION, 1993). Vem à baila um amontoado acrítico de orientações culturais modernas como o hedonismo, o amoralismo, o espiritualismo, o gnosticismo, o materialismo como busca da felicidade. Sobretudo no meio juvenil se verifica uma entrega da razão cansada aos deuses da modernidade. Como nos afirma Feller (1995, p. 351):

[Há uma verdadeira] renúncia da construção disciplinada e sacrificada da história pessoal e coletiva em vista da facilidade a todo custo, entregando o ser humano aos prazeres propostos da modernidade. [...] a razão hedonista se manifesta na incapacidade que leva as pessoas a se satisfazerem com o mínimo.



Tais jovens, como afirma Mion (1993, p. 249),



[serão aqueles que deverão enfrentar os] problemas culturais de não pouco relevo como a relativização dos sistemas de significado, mas também a absolutização dos relativos, uma orientação privativa e sobretudo emocional dos valores, o enfraquecimento da mesma rede das solidariedades vizinhas, a presença e a teorização de um identidade pessoal e social fraca, fragmentada, compósita, em contínua evolução, freqüentemente ambivalente e contraditória, que torna difícil a construção de uma experiência unitária ligada a um senso mais geral.



A recuperação da subjetividade, da individualidade (não do individualismo) oferece às pessoas um espaço para construir a própria identidade de modo sadio e maduro. O retorno à mística, com o aparecimento do “sagrado espontâneo e variado” pode provocar a solicitação e a efetivação da construção de uma espiritualidade mais rica. É de grande significado a abertura à gratuidade, às exigências da vida. Além disso, se oferece um grande espaço ao diálogo inter-religioso e cultural na abertura ao valor da pluralidade (ANDRADE, 1993). Bem afirmou ROANET (1987 apud LIMA, 2009): “Se a modernidade prometia a felicidade através do progresso da ciência ou de uma revolução, a pós-modernidade promete um nada que pretende ser o solo para tudo”.



1.3. Pontos positivos do cenário hodierno: possibilidades de ação



Mesmo que o cenário se apresente sombrio e imbuído de não poucos desafios referentes à indefinição e ao vazio, alguns elementos podem ser abertura e possibilidade para uma ação conjunta pelo bem de todos. Pode-se constatar a ênfase dada à cooperação e não sobre a competição, toda uma consciência ecológica pode abrir perspectivas inusitadas para a construção de uma sociedade que preserva e se opõe à ação exploradora dos recursos da terra; o encorajamento da espontaneidade e da criatividade; a promoção da paz entre os povos; os cuidados do corpo e do seu ritmo biológico através da promoção do esporte, de exercícios físicos e de alimentação saudável; o desenvolvimento do potencial humano e da auto-imagem positiva; o conceito da aldeia global e, por conseguinte da interdependência entre as pessoas e os povos; a mundialização de valores e ideais; a articulação em redes; a promoção e defesa da vida; a emergência de uma consciência planetária; o papel da mulher; uma visão do cristianismo como religião aglutinadora do pluralismo religioso; o diálogo inter-religioso na busca de um projeto de ética mundial; o apelo ao místico e ao sagrado; a busca de uma nova experiência de Deus (FELLER, 1995). Por mais que o relativismo ou uma ampla relativização ou mesmo subjetivização tenham criado o rompimento com paradigmas básicos para um pensar o mundo, a vida, a sociedade, a política, etc., hoje as opções religiosas das pessoas, ao menos as que fazem uma busca séria, não mais terá a tradição religiosa familiar como referência única ou obrigatória. Entrará em cena uma experiência pessoal, uma escolha livre, tendelcial e potencialmente mais responsável. Em primeira pessoa, o indivíduo faz suas escolhas de modo bastante livre. Certamente, as vantagens serão potenciadas e haverão de ser fonte de possibilidades alvissareiras se tais escolhas são ponderadas, resultado de uma formação consistente, as motivações sejam autênticas e os líderes religiosos ou educadores religiosos são respeitosos e disponíveis para ajudar no discernimento.

Em um próxima postagem, as referências bibliográficas serão disponibilizadas na íntegra.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O Pai que é nosso e o pão também!


Jesus nos ensinou a falar com Deus. Seus discípulos não sabiam. Bem, pra falar com alguém, conversar, partilhar a vida, creio ser super-importante haver um mútuo conhecimento. Sem isso, bem, não se tem o que conversar.
Talvez, para os discípulos, Deus era ainda distante. E aí, curiosos e fascinados a respeito de Jesus que rezava, detinha-se em oração longamente com o Pai, veio a revelação, veio a felicidade de ver um rosto que lhes era ignorado: Ele (Deus) é Pai. Então, longe de ser um patrão, um chefe, um mero provedor de bens ou aquele que resolve problemas ou satisfaz necessidades, Ele é o Pai.
Do Pai recebe-se a vida, o amor em forma de cuidado. Por cuidado, não se entenda, fazer tudo o que o filho quer, mas cabe ao Pai buscar-lhe o verdadeiro bem. Nem sempre isso é fácil, pois o caminho de felicidade, nem sempre é caminho de facilidade. Daí que é preciso confiança. O Pai cuida e sabe. Se este Pai é Deus, bem, então deixa Ele me conduzir. Mas, deixar Deus conduzir e cuidar, nem de longe deve ser entendido como um percurso de parasitismo, ficar esperando tudo cair de graça o céu. Santo Inácio e Loyola dizia: "Faça tudo como se tudo dependesse de você e uma vez esgotados os seus recursos, entregue tudo a Deus como se tudo dele dependesse". Nós faremos o possível e Ele, o impossível. Claro, se preciso for! E Ele sabe quando é preciso.
O Pai é nosso e o pão também. Aqui, não podemos perder de vista uma coisa: não somos o centro do mundo, nem o mundo gira em torno a nós. Nós caminhamos com outras pessoas, somos chamados a construir uma caminhada juntos pois somos seres sociais, a tendência agregativa faz parte o ser gente, do ser pessoa humana. Só que Deus nos fez seres comunitários. Sim, isso mesmo. Por isso que Jesus insiste tanto que seus discípulos, filhos de Deus por graça do Batismo, são chamados a viver como irmãos. Há um Pai que é comum a todos. Daí que não dá pra viver de qualquer jeito ou sem jeito ou de jeito nenhum meus relacionamentos com as outras pessoas. São irmãos! Que significa isso? Qual a importância disso? Bem, veremos numa próxima postagem.
Abraço e bênção pra você, Filoteu!

domingo, 4 de abril de 2010

RESSUSCITOU COMO DISSE, ALELÚIA!


Lectio de 04/abril/2010
(Páscoa do Senhor: At 10, 34a.37-43; Cl 3, 1-4; Jo 20, 1-9)

Bem cedo, vai Madalena procurar Jesus (Jo 20, 1-3). Eis a atitude do verdadeiro discípulo; a propósito, convém lembrar que as pessoas se definem muito pelas atitudes que assumem, pelas opções que fazem. Perguntar-se seriamente sobre as prioridades assumidas, constitui um ponto de referência importante para que o projeto de Deus aconteça, dentro da esfera de fazer-nos ressuscitados. A pedra tinha sido tirada do túmulo que estava vazio, expressa um bendito vazio. Como é que as pessoas, eu, você, eles, nós, vós, todos, compreendemos ou interpretamos ou acolhemos o túmulo vazio? Qual a repercussão deste vazio em nossas vidas? Em que e como este fato tem mudado ou ela pode mudar? Só o discípulo, aos moldes de Madalena pode compreender mais, viver mais por buscar insistentemente. O Senhor se deixa encontrar por aqueles que o buscam e se deixam encontrar. Deixam-se encontrar aqueles que se deixam encantar! Aliás, Nosso Senhor já se antecipou, vindo em busca dos que Ele ama. A iniciativa é sempre dele.

João corre mais que Pedro, mas não entrou no túmulo. Esperou por quem detém as chaves, o primaz, feito chefe e pedra por livre escolha do Mestre. Interessante: por mais que haja pessoas que descubram o querer de Deus, as indicações do Espírito com mais antecedência e perspicácia que os pastores legitimamente constituídos pelo Senhor, a indicação é esperar por estes pastores, por sua orientação, pela captação destes mesmos sinais. Não caminhar na frente dos pastores, mas com eles, ajudá-los sem dúvida, contribuir no discernimento e na acolhida dos sinais de Deus, mas, caminhar com eles. O cenário do túmulo é marcado pelo vazio: Ele não está lá. O grande Ator não está no palco, pois seu palco agora é outro. Ele é ator que age, não é ator que representa. Ele é fiel e verdadeiro. Ele não está no túmulo; no entanto, deixou sinais de que a sua ressurreição aconteceu. A delicadeza do pano enrolado num lugar à parte é um gesto eloqüente pois se o corpo tivesse sido roubado, certamente tudo estaria em desordem, uma bagunça geral. Mas, não! O lençol está dobrado e as faixas de linho deitadas no chão. Gesto simples, simbólico, mas altamente significativo! (Jo 20, 3-7).

A páscoa do Senhor, sua passagem para da morte para a ressurreição é sugestiva e indicativa: deve gerar no cristão, opções que o levem à vida ressuscitada. Para tanto, é preciso esforço. Diz o apóstolo, em tom imperativo: “esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres” (Cl 3, 1-2). As coisas do alto são propriamente marcadas por uma vida nova, na santidade, na união íntima e perseverante com Jesus Nosso Senhor, na meditação assídua de sua Palavra, na oração incessante, na vivência corajosa e profética das bem-aventuranças. Aspirar as coisas celestes significa viver o natural, de modo sobrenatural. Ter presente que a verdadeira realização consiste em assumir, assimilar a vida do céu, não a vida nos conformes da carne, das conveniências humanas, dos interesses egoístas. Portanto, é fundamental morrer e que a nossa vida esteja escondida com Cristo em Deus (cf. Cl 3, 3). Haverá vida mais feliz que essa? Meu Deus, que loucura é buscar outro caminho! Que burrice profunda e sem fim correr atrás de água onde só existe lama e barro molhado! Seja-nos propício Quem ressuscitou e vive glorioso com o Pai na unidade do Santo Espírito de modo a esconder-nos no seu lado aberto para que Dele nunca nos separemos, para que nele vivamos e com Ele morramos, a fim de com Ele ressuscitarmos. Nada de melhor haveremos de querer, aspirar ou viver!

Sim, “Todo aquele que crê em Jesus recebe, em seu nome, o perdão dos pecados” (At 10, 43). Crer: eis a meta. Crer, isto é, cultivar a fé, viver de fé, aderir total e incondicionalmente a quem se revela e nos faz participantes da sua vida. Crer para receber o perdão dos pecados. Haverá dom mais precioso, junto ao ser amado quanto ao ser perdoado? Deste perdão somos dependentes, deste perdão somos devedores, neste perdão viveremos e sem ele pereceremos miseravelmente em nossas iniqüidades e transgressões! Um perdão que nos habilite e anime a um movimento de subida, de superação, de crescimento e amadurecimento constantes tendo a vontade de Deus por meta e ponto de chegada.

sábado, 3 de abril de 2010

Foi lá na cruz!


Lectio de 02/abril/2010 (Sexta-feira da paixão do Senhor: Jo 18, 1-19, 1-42)

A quem procurais? Eles responderam: Jesus o Nazareno” (18, 5);
Qual a razão de se procurar Jesus de Nazaré? Aqueles homens o procuravam para eliminá-lo, pois Jesus, assumir-se como Messias, parecia para aquelas pessoas algo de inaceitável. Mas, felizmente, no curso destes dois mil anos, há pessoas que procuram Jesus, pois acreditam no seu amor, na sua verdade, na sua missão e assumem, pela graça, a identidade de cristãos, isto é, discípulos amados do Senhor.

“Não vou beber o cálice que o Pai me deu?” (18, 11);
Beber o cálice! O cálice da ira de Deus, o cálice da sua justa indignação com o pecado humano, o mesmo que a humanidade deveria beber e assim, satisfazer a justiça divina. Mas, Ele o fez e quem aderir ao seu projeto, receberá o dom do Seu Espírito e a vida divina brilhará e resplandecerá em quem o aderir. Cumprem-se, assim, as palavras da Escritura: “É preferível que um só morra pelo povo” (18, 14);

“O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas teriam lutado para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é daqui. (...). Jesus respondeu (a Pilatos): Tu o dizes: eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz” (18, 36.37b);
Venha a nós o vosso Reino, ensinou-nos Jesus a pedir! Este Reino é o que se encarna na história, mas não estaciona nas categorias de tempo e de espaço, mas as transcende, as ultrapassa. Jesus é Rei, é soberano, é o supremo, mas de forma alguma identificará a sua messianidade com as realidades presentes! Quantos equívocos de tantos do passado e do presente que acham que ao resolver os problemas sociais e políticos, promover humanamente as pessoas, o ideal do Reino foi atingido! O Reino não acontecerá se tais metas forem atingidas, mas o coração humano não aderir intimamente a Jesus, ao seu projeto salvífico, na realização plena de seus desígnios de amor e de poder. Nosso Senhor é a verdade e por isso quem o escuta, aderindo-O, plenifica-se, atinge a grande meta! Escutar sua voz, sim, para acolher sua Palavra santa e poderosa. Escutar que está intrinsecamente ligada ao aderir incondicionalmente, existencialmente ao Mestre, seguindo-O, isto é, imitando-O.

(disse Pilatos): “Olhai, eu o trago aqui fora, diante de vós, para que saibais que não encontro nele crime algum” (19, 4) .
Eis uma declaração da inocência de Nosso Senhor. Pilatos é iníquo, profundamente covarde, vende sua consciência em função de seus medos gerados pelo seu cargo, sua função. É permissivo ante a pressão da corja insana que o inquieta e pressiona. E eu, você, abrimos mão da verdade, da nossa adesão a Cristo em função de interesses pessoais, de seguranças humanas, de hesitações e medos oriundos do respeito humano?

“Não tinhas autoridade alguma sobre mim, se ela não te fosse dada do alto. Quem me entregou a ti, portanto, tem culpa maior” (19, 11);
Toda autoridade é dada do alto. Se não fosse dada do alto, tal autoridade não teria sido dada a Pilatos. Uma visão de fé, sem dúvida, geradora da submissão de Jesus. Ele sabe que por detrás das determinações da autoridade, os desígnios do Pai se cumprirão; mas uma constatação é preciso fazer, a saber, que todos quantos são revestidos de autoridade, são necessariamente chamados a responder por seus atos de modo muito particular. As autoridades: promoveram as pessoas plenamente, buscaram o bem delas ou as impediram ou criaram obstáculos para que elas fossem autenticamente felizes, se encontrassem com Deus e sua verdade libertadora, em suma, fossem salvas do pecado e libertadas do demônio?

“Eis o vosso rei!” (19, 15); (Disse Jesus para Maria): “Mulher eis o teu filho”. Depois disse ao discípulo: “Esta é tua mãe”. Dessa hora em diante o discípulo a acolheu consigo (19, 26b-27);
Uma das páginas mais preciosas! Maria é-nos dada na dor suprema da cruz! Ela, com sua sublime maternidade, faz-nos irmãos de Jesus! Ser filho de Maria é um jeito muito concreto de ser filho de Deus, pois Ela nos inserirá com grande fecundidade na vontade do Pai, cujo cumprimento ela tornou-se perita, especialista. Maria, a discípula, a Mãe, a intercessora, a auxiliadora, o modelo. Acolhê-la em casa tem um simbolismo forte, eloqüente, pois significa assumi-la na vida, na própria história, fazendo-se servo do Senhor, escravos da Palavra, empenhados decisivamente em fazer tudo o que Jesus nos disser. Nunca seremos gratos o suficiente a Jesus por ter-nos dada a sua Mãe para ser também nossa Mãe.

“Tenho sede” (19, 28);
“Deus tem sede que tenhamos sede dele” (Agostinho). Sede do amor das criaturas, dirá Teresinha do Menino Jesus. Mais que sede de água que certamente foi grande também.
“Tudo está consumado”. E inclinando a cabeça, entregou o espírito” (19, 30);
Toda a obra do Pai estava cumprida. O servo obediente foi até o fim. Jesus pendente da cruz, símbolo máximo e eficaz da obediência incondicional a Deus. Que vemos? Só amor, amor imenso, infinito, radical, um amor louco, indescritível. É olhar e apaixonar-se, é amar e seguir o Mestre carregando também a nossa cruz, sendo crucificados com Ele, sepultados com Ele para com Ele ressurgir.

(...), mas um soldado abriu-lhe o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água” (19, 34);
Aqui nascemos, aqui vivemos, aqui amamos, aqui somos discípulos, daqui somos enviados e tornamo-nos missionários em seu nome e seu amor!

“Não quebrarão nenhum dos seus ossos. E outra Escritura ainda diz: “Olharão para aquele que transpassaram” (19, 36-37);
Ele é o Cordeiro pascal e, por isso, nenhum osso lhe será quebrado. Sim, olharemos o traspassado. Contemplaremos e enxergaremos o seu amor incondicional, total. O onipotente fragilizou-se imensamente, o santíssimo assumiu as culpas dos pecadores, o perfeito e infinitamente são, deixou-se ferir e assumiu nossas dores. Nós O contemplamos! Com os olhos da fé, do amor, com os olhos interiores e deixamo-nos interpelar.

No lugar onde Jesus foi crucificado, havia um jardim e, no jardim um túmulo novo, onde ainda ninguém tinha sido sepultado” (19, 41).
Um jardim. Lá no Éden, havia também um jardim: lá se consumou o pecado. Lá no túmulo, um jardim: lá se consumou a obediência. Começou um novo paraíso, inaugurado com o sepulcro que acolheu Quem matou a morte, quem está cheio de vida. O jardim é o lugar do sepulcro foi palco da ressurreição, encheu-se de luz e vazio ficou! A esperança salva!

segunda-feira, 29 de março de 2010

A unção dos pés do mensageiro!


Jesus foi a Betânia: casa da amizade! Lugar do encontro, da partilha e do diálogo. Lá deu-se o prodígio do encontro, do culto, da adoração. Aquele perfume caro, aquelas essências delicadas e os odores cativantes foram usados para ungir os pés de Jesus.


Os pés! lá em baixo, os pés tocam o chão, conduzem o corpo, sob o direcionamento da cabeça, claro. Os evangelizadores são como os missionários que levam Jesus e a vida da Igrea para todo lugar. Ungi-los com orações e sacrifícios, formação e apoio de todo tipo, é um jeito de repetir a cena da mulher generosa. Sim, o Evangelho é o bom perfume, o suave odor de Cristo. Impressionante! São belos, porque conduzem, aproximam, geram comunhão.


O que há de tão caro em minha vida que possa ser usado para ungir os pés de Jesus? Havendo a compreensão de Maria, irmã de Lázaro e Marta, sobre o valor do que foi ofertado e derramado, certamente toda a Igreja e o mundo se encheria do bom odor. E que agradável perfumes será este? Com certeza as vidas ofertadas, consumidas, pela sublime causa de evangelização. "Quão belos são os pés do mensageiro que anunciam a paz".


Judas reclama do gesto: considera-o um desperdício. Um gasto inútil, algo que poderia ser investido em outra causa, quiçá, mais nobre, segundo o traidor. Uma mentalidade reprovada por Jesus. Ungi-lo para a sepultura é um gesto acolhido pelo Mestre. Era Ladrão! Roubava ou tirava para si o que era da comunidade e o que era de Deus. Para o Iscariotes, era gasto desperdício gastar 300 denários com a unção em Betânia. Mas, vende Jesus por 30 moedas, preço de um escravo. Para ele, Jesus não valia muita coisa, não tinha valor.


E Lázaro: um sinal da ressurreição que Jesus iria viver de forma definitiva e cabal. Mas, para os fariseus, era um sinal incômodo, uma evidência inequívoca, clara, explícita do poder de Deus agindo em Cristo Jesus. Mas, o que pensaram eles? Matar Lázaro! Acabar com o sinal de Deus. Que impressionante! Quando alguém não quer acreditar, não deseja crer, não tem milagre que dê jeito. Quando outros interesses humanos (financeiros, os jogos de poder, os prestígios e vaidades, etc) estão em jogo e falam alto. É preciso abrir o coração, deixar de lado seguranças e garantias meramente humanas. Caso contrário, bem, nada feito!

quinta-feira, 25 de março de 2010

Querido Verbo Carne!




Lectio de 25/mar/2010


"No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. No princípio ele estava com Deus. Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito. (....). O Verbo era a luz verdadeira que ilumina todo homem; ele vinha ao mundo. (...) Veio para o que ela seu e os seus não o receberam. Mas a todos que o receberam deu o poder de se tornarem filhos de Deus: aos que crêem em seu nome (...). E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e nós vimos a sua glória, glória que ele tem junto do Pai como Filho único, cheio de graça e de verdade (...). Pois de sua plenitude todos nós recebemos graça por graça. Porque a Lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo. Ninguém jamais viu a Deus: o Filho único que está voltado para o seio do Pai, este do deu a conhecer" (Jo 1, 1-3.9.11-12.14.17-18).


Eis que conceberás no teu seio e darás à luz um filho, e tu o chamarás com o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo. (...). O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo vai te cobrir com a tua sombra; por isso, o Santo que nascer será chamado Filho de Deus. Disse, então, Maria: “Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra! (Lc 1, 31.35.38).


Verbo, felicidade plena do Eterno Pai, Verbo, toda alegria de Maria, a Virgem-Mãe, Verbo eterno doçura dos anjos, Verbo precioso e tão necessário, tão imprescindível para João, Pedro, Madalena, e para mim, por que não? – és o Verbo caro. Assim te chamarei, Querido Verbo-carne! E se assim não te chamar, direi que és o Precioso. O tesouro escondido no campo do coração, a vida plena que afugenta a pior das mortes (a eterna), a luz que dissipa as piores trevas (a do pecado), a santidade que destrói todo vício, a verdade que eclipsa toda mentira (do demônio). Que bom que assim seja: és o Verbo, isto é a Palavra.O outro vocábulo para traduzir a Palavra foi Verbo, isto é, ação, movimento! O Verbo faz a acontecer. Ele que estava com o Pai desde o princípio, sendo Ele Deus com o Pai, tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito, ou seja, a inteligência do Pai, sua comunicação fez todas as coisas, realizou a obra da criação.


Mas, para realizar a ação mais sublime, a recriação, a mais notável obra de amor e de resgate, a salvação da humanidade, quis o Pai enviar a sua Palavra, gerada desde toda eternidade, Seu Filho, Deus de Deus, Luz da Luz, gerado não criado, consubstancial ao Pai. O Verbo se fez carne! Se fez gente, fez-se perceber, ouvir, tocar, ver! Exclamará João, em seu êxtase ante o Mestre amado, do qual Ele é o discípulo amado: “O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos, e o que nossas mãos apalparam do Verbo da vida – porque a vida manifestou-se: nós a vimos e lhe damos testemunho e vos anunciamos a Vida eterna, que estava voltada para o Pai e que nos apareceu – o que vimos e ouvimos vo-lo anunciamos para que estejais também em comunhão conosco” (1Jo 1, 1-3). Tornar-se carne significa assumir a humanidade em sua condição de fraqueza e de mortalidade. Eis o realismo deste doce abaixar-se do Verbo-caro. Habitou entre nós é um termo que recorda Deus na tenda da reunião, cuja presença temível e invisível (cf. Ex 25,8; cf. Nm 35,34). Carne, portanto, trás à baila, o mistério da fragilidade humana de quem manteve sua natureza divina e fez caminhada conosco. Dirá São Leão Magno: “A humildade foi assumida pela Majestade, a fraqueza, pela força, a mortalidade, pela eternidade. Para saldar a dívida da nossa condição humana, a natureza impassível uniu-se à natureza passível. Deste modo, como convinha à nossa recuperação, o único mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo, podia submeter-se à morte, através de sua natureza humana e permanecer imune em sua natureza divina. (...). Assumiu a condição de escravo, sem mancha de pecado, engrandecendo o humano, sem diminuir o divino” (Ep. 28, ad Flavianum, 3-4: PL 54, 763-767, Liturgia das Horas, vol. II, p. 1506).


Mas, pela fé, pelo encontro com a Sagrada Escritura, com a Eucaristia, adorada, recebida, celebrada, certamente o encontramos. E nos realizamos plenamente neste itinerário de luzes e sombras que o Amado nos permite de viver, fazendo-nos percorrer não um caminho de garantias e seguranças humanas, mas um percurso de fé, de trilhas evangélicas na mata do não saber, da pobreza existencial profunda. Nós também o tocamos, nós o vimos, ou escutamos. Somos felizes!


Na pobreza, pequenez, humildade, obediência e na força da verdade profunda, do poder e da graça, as duas naturezas presentes na mesma pessoa (de Cristo), vê-se a tenda da reunião de modo bastante diferente: Ele é a tenda da reunião, em sua sacratíssima humanidade.


Além disso, é bom lembrar que Maria teve um papel muito importante. Sua ligação com a Palavra abre espaço para que o mistério de um Deus desejoso de dar-se, revelar-se, comunicar-se, exatamente porque ela é o lugar onde esta substancia humana é tecida pelo Espírito Santo. O papel dela, tão importante e, Ela, tão humilde! A serva do Senhor, disponível para a Palavra. Serviço da Palavra. Contemplaremos o mistério nela. E creio que as pessoas querem ver este mistério da encarnação em mim, em você, em nós todos. Corações grávidos de Cristo, por uma união cada vez mais profunda, amadurecida, verdadeira com Ele.


Que tal, tentar? A graça de Deus acontecerá e o auxílio da Virgem não faltará.