quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O pobre Lázaro: uma história....


As exigências da justiça social no Evangelho: o exemplo de Lázaro, o pobre.




«havia um homem rico que se vestia de púrpura e linho fino e cada dia se banqueteava com requinte. Um pobre, chamado Lázaro, jazia à sua porta, coberto de úlceras. Desejava saciar-se do que caía da mesa do rico... e até os cães vinham lamber-lhe as úlceras. Aconteceu que o pobre morreu e foi levado pelos anjos ao seio de Abraão. Morreu também o rico e foi sepultado.


Na mansão dos mortos, em meio a tormentos, levantou os olhos e viu ao longe Abraão e Lázaro em seu seio. Então exclamou: “Pai Abraão tem piedade de mim e manda que Lázaro molhe a ponta do dedo para me refrescar a língua, pois estou torturado nesta chama”. Abraão respondeu: “Filho, lembra-te de que recebeste teus bens durante tua vida, e Lázaro por sua vez os males; agora, porém, ele encontra aqui consolo e tu és atormentado. E além do mais, entre nós e vós existe um grande abismo, a fim de que aqueles que quiserem passar daqui para junto de vós não o possam, nem tampouco atravessem de lá até nós”.


Ele replicou; “Pai, eu te suplico, envia então Lázaro até à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos; que leve a eles seu testemunho, para que não venham eles também para este lugar de tormento”.


Abraão, porém respondeu: “Eles têm Moisés e os Profetas: que os ouçam”. Disse-lhe ele: “Não, pai Abraão, mas se alguém dentre os mortos for procurá-los, eles se arrependerão”. Mas Abraão lhe disse: “Se não escutam nem a Moisés nem aos Profetas, mesmo que alguém ressuscite dos mortos, não se convencerão»[1].



Este texto, todo transcrito nesta postagem tem como objetivo mostrar a responsabilidade e o compromisso dos cristãos, especialmente os que possuem mais recursos, neste processo de administrar os bens de Deus. Todo este capítulo 16 de Lucas é uma inteira catequese sobre o uso das riquezas. Trata-se de uma parábola proposta de considerar a condição presente à luz da eternidade.

O homem rico que usava mal dos seus recursos materiais, porque o seu egoísmo profundo o centralizava em si mesmo, nas próprias comodidades e nos próprios caprichos é um ensino forte, exigente, comprometedor. Como se percebe, é um alguém sem nome, um anônimo nesta história de salvação uma vez que no seu egoísmo, ele se excluiu da salvação de Deus. Este rico é imagem de um alguém despersonalizado, em vista de sua existência falida, esterilizada, tornado infrutífero pela sua centralização em si mesmo. Não pensar nos outros necessariamente significa ignorar o próprio Deus, Ele que é uma comunidade, a plena comunhão, a partilha, diversidade e unidade no seu mistério trinitário. O eu se descobre relacionando-se com um tu, para formar um nós. Quem não se relaciona não ama e quem não ama não pode descobrir-se. O rico ficou conhecido como epulão, isto é, banqueteador, um comilão. Como dizia Paulo, «seu fim é a destruição, seu deus é o ventre, sua glória está no que é vergonhoso, e seus pensamentos no que está sobre a terra»[2]. Jesus tira o pobre do anonimato: ele tem um nome, ele é alguém, seu nome é Lázaro que significa “Deus ajuda”. Fome e doença o fazem prostrar-se diante da porta do rico, esperando de matar a fome de tudo que cai na mesa do rico, esperando de matar a fome de tudo que cai da mesa farta do abastado egoísta. Até mesmo o cachorro tem piedade de Lázaro e o rico não percebe, é negligente.

Esta parábola nos oferece um quadro feito de imagens muito sugestivas, simples, de tonalidades fortes, sem detalhes ou refinamentos literários. É por isso que nos obriga a buscar sinceramente o essencial. De fato, no tempo o homem decide o seu destino eterno, vida ou morte, e não existe outra possibilidade de opções. Quem confia em si mesmo e em uma felicidade egoísta, construída com as próprias mãos, entra nas trevas e desde já é um cego, ao ponto de não ver o mendigo sentado à porta de casa.

O silêncio do pobre mendigo parece ser o traço característico do vulto de Lázaro. Duramente provado pela vida, descuidado por aqueles que poderiam ajudá-lo, ele se cala. Nenhuma palavra contra Deus ou contra os homens. Nem rebelião, nem críticas, nem inveja. A morte chega para Lázaro como uma libertação. O sono que desfecha o percurso terreno se apresenta como um divisor de águas implacável, determinante e sob a luz inatacável da verdade que brota de Deus cada qual segue o seu infalível destino eterno. Cada um colherá o que plantou.

Jesus retira o véu e nos introduz na eternidade mostrando-nos o grande banquete da eternidade. Lázaro é um dos destacados comensais. É como diz a Escritura: «Levanta do pó o fraco e do monturo o indigente, para os fazer sentarem-se entre os nobres e colocá-los num lugar de honra»[3]. Oposta é a sorte do rico que entre os tormentos infernais vê o pobre do outrora e ousa pedir auxílio para sua inexorável pena. O ardor lhe devora o paladar, o mesmo paladar que antes de deleitava em finas iguarias. As opções da vida presente selam de maneira definitiva a imutável as condições da vida eterna. Por isso, como o apóstolo Paulo, o cristão pensa e vive em função da eternidade: «Mas a nossa cidade está nos céus, de onde também esperamos ansiosamente como Salvador o Senhor Jesus Cristo, que transfigurará o nosso corpo humilhado, conformando-o ao seu corpo glorioso, pela força que lhe dá poder de submeter a si todas as coisas»[4].

Nem mesmo um milagre como a ressurreição de um morto – diz Jesus fazendo alusão a si mesmo – poderia aliviar o endurecimento do coração de quem incessantemente se recusa a escutar e levar à sério o que dizem as Escrituras. Quem converte e salva não são necessariamente os prodígios (até a ressurreição de Lázaro[5], da filha de um chefe[6], do filho da viúva[7] e do próprio Senhor[8]) não foram suficientes para convencer as pessoas fechadas e de coração duro. Sobre estas dificuldades da aceitação das óbvias evidências da ressurreição do Senhor por parte das lideranças religiosas do tempo de Jesus, se percebe o quanto essa verdade é grande. Eles tiveram uma ótima oportunidade de tornarem-se testemunhas da ressurreição de Jesus e permaneceram expectadores que preferiram vantagens materiais, prestígio e acomodação. Caminharam na mentira. Por isso, nem a ressurreição do Senhor para estes conseguiu mudar os rumos de uma opção direcionada por um coração endurecido. Somente um encontro silencioso, humilde, orante e meditativo, reflexivo e contemplativo com a Palavra de Deus. Um encontro que leve a pessoa a se dispor a viver e transbordar o mistério contemplado, somente isso poderá levar a uma transformação consistente de quem necessita de encontrar-se com o perdão e a graça revigoradora de Deus. São Luís Gonzaga, outrora nobre, fez-se religioso; ele reflete com muita sabedoria e precisão sobre esta realidade: «Não devemos blasonar por causa do nosso nascimento, porque no fim da vida as cinzas de um príncipe não se distinguem das de um pobre qualquer!

Quem mais alto está por destino do nascimento, pela riqueza de bens, pela elevação da cultura e do engenho, tanto mais deve prestar contas a Deus dos seus atos e da sua vida.

Quanto menor do que os outros o homem se fizer, tanto maior será, porque quanto mais alguém é humilde, tanto mais semelhante é e chegado a Cristo, o qual será acima de todos»[9]. Nesta mesma linha S. Gregório Magno ensina: «Que cada um seja juiz equilibrado entre si e os pobres. Que uma comiseração alegre e segura descarte qualquer falta de confiança; e aquele que ajuda ao indigente compreenda que está dando a Deus a esmola que distribui»[10].

Comenta o doutor místico: «Os sabores que deliciam o paladar ocasionam diretamente gula e embriaguez, cólera e discórdia, falta de caridade para com o próximo e os pobres, como teve para com Lázaro aquele mau rico, que se banqueteava cada dia esplendidamente (Lc 16, 19). Daí nascem ainda as indisposições corporais, as doenças, e também os movimentos desregrados, porque se aumentam os incentivos da luxúria. Por sua vez, fica o espírito como submerso em grande torpor; o desejo e o gosto dos bens espirituais diminui de tal sorte que já não os pode suportar, nem mesmo se deter ou se ocupar neles. Esse gozo produz ainda o descontentamento de muitas coisas, distração dos demais sentidos e do coração»[11].Lázaro é acolhido pelos anjos do céu e Deus quer que os Lázaros de hoje sejam acolhidos pelos anjos da terra que são os cristãos os quais como mensageiros do Senhor devem assumir a realidade forte e exigente que somente a fé permite de enxergar: Lázaro é Jesus, o Cristo, disfarçado. Se lermos atentamente o texto de Mateus a respeito do juízo universal poderemos nos convencer disso[12]. Com efeito, uma figura sobrenatural emana da figura de Lázaro: é Jesus o qual não considerou um tesouro imperdível a sua natureza divina, mas se fez pobre para nos fazer participantes dos seus bens. Seu eterno e infinito amor O faz apresentar-se nas vestes da humildade e o fez atravessar o abismo existente entre o céu e a terra. E Jesus se senta à porta do nosso coração e bate... : «Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele e ele comigo»[13]. Que Ele não permaneça faminto nos irmãos por não termos aberto para ele a porta do nosso coração como foi o caso do rico epulão.

[1] Lc 16, 19-31.

[2] Flp 3, 19.

[3] 1Sm 2, 8.

[4] Flp 3, 20-21.

[5] Cf. Jo 11, 1-44.

[6] Cf. Mt 9, 18-19.23-26. Veja-se também Mc 5, 21-24.35-43 e Lc 8, 40-56.

[7] Cf. Lc 7, 11-17.

[8] Cf. Mt 128, 11-15.

[9] R. BRUNELLI, Um homem chamado Luís, Loyola, S. Paulo, 1991, p. 113.

[10] S. GREGÓRIO MAGNO, Sermão sobre as coletas, XI sermão in Sermões, Paulus, S. Paulo, 1996, n. 2.

[11] S. JOÃO DA CRUZ, Salita del monte Carmelo, L. III, cap. 25.

[12] Cf. Mt 25, 31-46.

[13] Apc 3, 20

pobres: os que valorizam os dons!


Em nenhuma hipótese, se confunda desapego com desprezo. O livro do Gênesis, como vimos, nos mostra o quanto Deus se alegra por ter dado vida a todas as obras da criação e o quanto ele enfatiza a bondade e o valor das obras surgidas de suas mãos. O apóstolo também ensina: «Pois tudo o que Deus criou é bom e nada é desprezível»[1]. «Foi pela fé que compreendemos que os mundos foram criados pela palavra de Deus. Por isso, o mundo visível não tem a sua origem, em coisas manifestadas»[2].


E neste mistério da ação de Deus nos lançamos pela fé nos braços d'Aquele que na sua invisibilidade se deu a conhecer e, mergulhados na nossa finitude, reconhecemos cheios de gratidão a grande obra que o Senhor fez, dando-nos a vida.

Mesmo às apalpadelas, seguramos e mantemos acessas a lâmpada da fé e esperamos vigilantes o seu retorno a exemplo das virgens prudentes[3]. E essa vigilância se consolida e se arma dos meios de uma intensa fé que se defende de toda concepção racionalista ou materialista de um mundo que surge e se desenvolve sem Deus, negando-lhe a existência ou vivendo como se Ele nem existisse, considerando-O um ser distante, um alguém ausente, uma entidade a ser simplesmente ignorada e desprezada.

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[1] 1Tm 4, 4.

[2] Hb 11, 3.

[3] Mt 25, 1-13// Lc 12, 35-38. O tema da vigilância é muito enfatizado por Mt 24, 42-44; Lc 12, 35-40.

A PÓS-MODERNIDADE E UMA CULTURA PLURAL




Com o objetivo de uma melhor compreensão da realidade atual, tentarei fazer uma adequada contextualização da cultura pós-moderna, abordando seus desafios e suas novas características, suas possibilidades e limites. Esse foi um capítulo que abordei em uma monografia que escrevi. Parece-me interessante que saibamos o que acontece, ou melhor, o que motiva, está por trás do que acontece. Um mundo plural, a colocação em questão de todo um conjunto de valores e certezas que até então deles ninguém duvidava, abre uma panorâmica bastante nova a qual necessariamente deve ser investigada. Compreender para situar-se é um dever imposto pela própria conjuntura, tendo em vista nela agir de modo apropriado e eficaz. O ensino religioso deverá preparar os estudantes para uma inserção em um mundo concreto e por caber-lhes assumir uma atitude consciente, coerente e conseqüente ante a realidade, o protagonismo deles e delas pode constituir um valioso elemento de transformação e de construção de um mundo onde os valores façam a necessária diferença.



1. A formação da panorâmica atual



No passado, o regime da cristandade engendrou uma sociedade sacralizada a qual, comportava na relação Igreja-Mundo, uma situação de hegemonia monolítica não só pelo que diz respeito aos fiéis que da Igreja faziam parte como também pelo estado que a protegia e apoiava. Verificava-se uma verdadeira troca de serviços: a religião sacralizava o poder civil dando-lhe sustentação e o estado lhe respaldava anulando ou neutralizando assim a incidência social das outras instituições religiosas minoritárias. O pluralismo religioso abre um capítulo novo na história e a consciência do católico sofre seus efeitos. O Estado torna-se independente da necessidade de uma legitimação religiosa e os acontecimentos ligados ao advento da modernidade no primeiro mundo provocam seus influxos sobre o Brasil. No “supermercado” dos bens religiosos, seitas e novas Igrejas surgem, algumas oferecendo serviços religiosos focando um público alvo. Tal coincide por sua vez com a “volta do sagrado”. Algumas manifestações religiosas caminham lado a lado com manifestações de cunho paracientíficas, distadas em embalagens religiosas. Formas de transcendentalismo como a teosofia, meditação transcendental, técnicas adivinhatórias, horóscopo, magia, alguns fundamentalismos religiosos, cultos afros são exemplos desta complexidade variada e heterogênea. O fenômeno da fragmentação religiosa se manifesta, sobretudo em base de relações de clientela descompromissada onde é freqüente a passagem de uma Igreja para outra (MIRANDA, 1991– ANDRADE, 1993). T. B. Bottomore, professor da universidade de Sussex, na Inglaterra, afirmou: “A separação entre moralidade e religião é uma característica da mudanças culturais no último século” (BOTTOMORE, 1981, p. 230). O mesmo autor lembra que a religião se transformou cada vez mais em uma questão individual e privada. A moralidade tornou-se mais social onde a virtude individual não é tão importante quanto a justiça social. Afirma também que,

Na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, durante o último século, surgiram numerosas seitas novas, e muitas delas floreceram. Isso pode refletir uma “individualização da crença religiosa, que talvez deva ser examinada juntamente com a secularização, como característica destacada da situação religiosa nas sociedades industriais (BOTTOMORE, 1981, p. 227-228).


1.1 Origens e Identidade

Desde os finais dos anos 60 verifica-se uma profunda mudança cultural. Tais transformações se fazem sentir fortemente nos anos 70 com o fenômeno do pós-moderno. A necessidade de dar uma resposta ao exagerado cientificismo, ao brilhantismo inquestionável da razão humana e ao progresso se transformou em negação a estas maneiras de colocar a visão de mundo.

A segunda metade do século XX assistiu a um processo sem precedentes de mudanças na história do pensamento e da técnica. Ao lado da aceleração avassaladora nas tecnologias de comunicação, de artes, de materiais e de genética, ocorreram mudanças paradigmáticas no modo de se pensar a sociedade e suas instituições. De modo geral, as críticas apontam para as raízes da maioria dos conceitos sobre o Homem e seus aspectos, constituídas no século XV e consolidadas no século XVIII. A Modernidade surgida nesse período é criticada em seus pilares fundamentais, como a crença na Verdade, alcançável pela Razão, e na linearidade histórica rumo ao progresso. Para substituir estes dogmas, são propostos novos valores, menos fechados e categorizantes. Estes serviriam de base para o período que se tenta anunciar - no pensamento, na ciência e na tecnologia - de superação da Modernidade. Registra-se a exacerbação de certas características das sociedades modernas, tais como o individualismo, o consumismo, a ética hedonista, a fragmentação do tempo e do espaço. Seria, então, o primeiro período histórico a já nascer batizado: a pós-modernidade.

1.2. Autores e Idéias principais

Entre os autores principais a fazer uso do termo, destaca-se o francês Jean-François Lyotard, onde, segundo ele, a "condição pós-moderna" caracteriza-se pelo fim das metanarrativas. Os grandes esquemas explicativos teriam caído em descrédito e não haveria mais "garantias", posto que mesmo a "ciência" já não poderia ser considerada como a fonte da verdade. Segundo LYOTARD (1998,135)



As árvores de conhecimento são fundadas sobre princípios de auto-organização, de democracia e de livre troca na relação com o saber. Ao abandonar uma concepção feudal dos conhecimentos organizados em disciplinas, dominados pelos grandes conceitos, desenvolvem um espaço do saber produzido por todos, coextensivo à vida das coletividades humanas, sem muros nem fossos incontornáveis. A diversidade das competências e dos recursos cognitivos de qualquer comunidade pode, então, tornar-se visível. Um espaço de comunicação e de negociação entre todos ou atores implicados pelas relações com o saber é instituído. O mesmo instrumento pode ser manejado pelos indivíduos que oferecem competências, pelos empregadores que os procuram e pelos formadores que os transformam.

Para o crítico marxista norte-americano Fredric Jameson, a Pós-Modernidade é a "lógica cultural do capitalismo tardio". O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, um dos principais popularizadores do termo Pós-Modernidade no sentido de forma póstuma da modernidade, atualmente prefere usar a expressão "modernidade líquida" - uma realidade ambígua, multiforme, na qual, como na clássica expressão marxiana, tudo o que é sólido se desmancha no ar. Segundo Bauman, a marca da pós-modernidade é a vontade de liberdade (BAUMAN, 1997, p. 53). Já o filósofo alemão Jürgen Habermas relaciona o conceito de Pós-Modernidade a tendências políticas e culturais neoconservadoras, determinadas a combater os ideais iluministas. Gianni Vattimo (apud DANTAS, 2009, 184) acena à “dissolução da história” nos seus vários sentidos que se podem atribuir a essa expressão. É, de resto, a característica que distingue de modo mais claro, a história contemporânea da história “moderna”. Daqui, se conclui que não há coordenada originária, ou seja, inexiste um fio condutor capaz de dar inteligibilidade à história, nenhuma ligação intrínseca entre os acontecimentos, pois não há uma história única, mas inúmeras particulares. Fala-se, por conseguinte da pós-história ou dissolução da história (DANTAS, 2009, p. 184). A pós-modernidade emerge, enquanto negação humana do conhecimento do mundo, de si próprio, na relativização ou negação dos valores últimos que venham a dar sentido à inteligibilidade, à vida humana e à sociedade. A crise dos discursos unificadores, a fragmentação dos saberes, o fim das metanarrativas, a crise das utopias, o esvaziamento do conceito de verdade, em suma, chegou-se à descrença que para cada pergunta ou questionamento exista uma só resposta, provida de racionalidade ou cientificidade. Cada um formula a resposta que mais lhe agrada, e não existe nenhum critério para afirmar que uma resposta seja mais ou menos verdadeira que outra. Gilles Lipovetsky afirma que a “demanda de liberdade é superior àquela de igualdade” (LIPOVETSKY apud LIMA, 2009, 183).

Para Gianni Vattimo ( apud LIMA, 2009),

a chamada "pós-modernidade" aparece como uma espécie de Renascimento dos ideais banidos e cassados por nossa modernidade racionalizadora. Esta modernidade teria terminado a partir do momento em que não podemos mais falar da história como algo de unitário e quando morre o mito do Progresso. É a emergência desses ideais que seria responsável por toda uma onda de comportamentos e de atitudes irracionais e desencantados em relação à política e pelo crescimento do ceticismo face aos valores fundamentais da modernidade. Estaríamos dando Adeus à modernidade, à Razão (Feyerabend) Quem acredita ainda que "todo real é racional" (Hegel)? Que esperança podemos depositar no projeto da Razão emancipada, quando sabemos que se financeiro submetido ao jogo cego do mercado? Como pode o homem ser feliz no interior da lógica do sistema, onde só tem valor o que funciona segundo previsões, onde seus desejos, suas paixões, necessidades e aspirações passam a ser racionalmente administrados e manipulados pela lógica da eficácia econômica que o reduz ao papel de simples consumidor?

Conforme ZOCATELLI (1996, p. 23) vem à tona a teoria da “interpretação infinita”, originalmente amadurecida exatamente no campo da crítica literária, segundo a qual todo objeto de reflexão pode assumir significados “infinitamente” diversos; aplicada à vida social, a interpretação pós-moderna, mediante a qual cada um formula a própria resposta na impossibilidade de determinar significados autênticos e universais, produziu um “clima” que segundo INTROVIGNE (1995, apud ZOCATELLI, 1996, p. 23-24), tem os seguintes traços característicos:



Antes de tudo – em senso sociológico – se pode constatar simplesmente uma série de fatos: derrubados os mitos da modernidade para um percentual significativo dos nossos contemporâneos hoje a ciência não é mais segura que a magia, a medicina não é mais que a fé nas curas milagrosas, e assim por diante. A difusão, socialmente relevante, desta persuasão pode ser medida através de instrumentos sociológicos apropriados. Diferente é a teoria de filósofos do pós-moderno segundo o qual é justo que seja assim, e o real é simplesmente um facho de infinitas possíveis interpretações. Este tipo de teoria – por quanto se anuncie como o “novo” absoluto – representa simplesmente uma ulterior, talvez mais extrema, graduação do relativismo que constituía já a essência da modernidade.



A exacerbação do individualismo provoca um indiferentismo aos interesses comuns. O subjetivismo exacerbado se efetua em detrimento da objetividade e aciona uma provocação do desprestígio da política, do sentido da representatividade. Os valores e as idéias perdem a razão de ser, pois são sem sentido e assim pouco a pouco se cria uma situação de degradação existencial com um empobrecimento da capacidade de maravilhar-se, de ordenar a própria vida em função de um ideal e de amar ou usufruir da vida intensamente. O trabalho, por sua vez, perde sua dimensão de vocação, ação criativa e se reduz a um meio para suprir as necessidades do indivíduo, meio de fazer carreira. O amor e o matrimônio passam a ser vistos como fontes de gratificação psicológica e se rebaixam a meras e banais enfermidades. Renasce o sagrado como dimensão religiosa alternativa, emergente com o renascimento da astrologia.

Com o crescimento do individualismo e do subjetivismo entra em cena a ideologia neoliberal e até mesmo o neoconservadorismo na condição pós-moderna. Ora, uma parcela significativa de jovens brasileiros, especialmente aqueles pertencentes às classes alta e média vivem este momento cultural (ANDRADE, 1993– MION, 1993). Vem à baila um amontoado acrítico de orientações culturais modernas como o hedonismo, o amoralismo, o espiritualismo, o gnosticismo, o materialismo como busca da felicidade. Sobretudo no meio juvenil se verifica uma entrega da razão cansada aos deuses da modernidade. Como nos afirma Feller (1995, p. 351):

[Há uma verdadeira] renúncia da construção disciplinada e sacrificada da história pessoal e coletiva em vista da facilidade a todo custo, entregando o ser humano aos prazeres propostos da modernidade. [...] a razão hedonista se manifesta na incapacidade que leva as pessoas a se satisfazerem com o mínimo.



Tais jovens, como afirma Mion (1993, p. 249),



[serão aqueles que deverão enfrentar os] problemas culturais de não pouco relevo como a relativização dos sistemas de significado, mas também a absolutização dos relativos, uma orientação privativa e sobretudo emocional dos valores, o enfraquecimento da mesma rede das solidariedades vizinhas, a presença e a teorização de um identidade pessoal e social fraca, fragmentada, compósita, em contínua evolução, freqüentemente ambivalente e contraditória, que torna difícil a construção de uma experiência unitária ligada a um senso mais geral.



A recuperação da subjetividade, da individualidade (não do individualismo) oferece às pessoas um espaço para construir a própria identidade de modo sadio e maduro. O retorno à mística, com o aparecimento do “sagrado espontâneo e variado” pode provocar a solicitação e a efetivação da construção de uma espiritualidade mais rica. É de grande significado a abertura à gratuidade, às exigências da vida. Além disso, se oferece um grande espaço ao diálogo inter-religioso e cultural na abertura ao valor da pluralidade (ANDRADE, 1993). Bem afirmou ROANET (1987 apud LIMA, 2009): “Se a modernidade prometia a felicidade através do progresso da ciência ou de uma revolução, a pós-modernidade promete um nada que pretende ser o solo para tudo”.



1.3. Pontos positivos do cenário hodierno: possibilidades de ação



Mesmo que o cenário se apresente sombrio e imbuído de não poucos desafios referentes à indefinição e ao vazio, alguns elementos podem ser abertura e possibilidade para uma ação conjunta pelo bem de todos. Pode-se constatar a ênfase dada à cooperação e não sobre a competição, toda uma consciência ecológica pode abrir perspectivas inusitadas para a construção de uma sociedade que preserva e se opõe à ação exploradora dos recursos da terra; o encorajamento da espontaneidade e da criatividade; a promoção da paz entre os povos; os cuidados do corpo e do seu ritmo biológico através da promoção do esporte, de exercícios físicos e de alimentação saudável; o desenvolvimento do potencial humano e da auto-imagem positiva; o conceito da aldeia global e, por conseguinte da interdependência entre as pessoas e os povos; a mundialização de valores e ideais; a articulação em redes; a promoção e defesa da vida; a emergência de uma consciência planetária; o papel da mulher; uma visão do cristianismo como religião aglutinadora do pluralismo religioso; o diálogo inter-religioso na busca de um projeto de ética mundial; o apelo ao místico e ao sagrado; a busca de uma nova experiência de Deus (FELLER, 1995). Por mais que o relativismo ou uma ampla relativização ou mesmo subjetivização tenham criado o rompimento com paradigmas básicos para um pensar o mundo, a vida, a sociedade, a política, etc., hoje as opções religiosas das pessoas, ao menos as que fazem uma busca séria, não mais terá a tradição religiosa familiar como referência única ou obrigatória. Entrará em cena uma experiência pessoal, uma escolha livre, tendelcial e potencialmente mais responsável. Em primeira pessoa, o indivíduo faz suas escolhas de modo bastante livre. Certamente, as vantagens serão potenciadas e haverão de ser fonte de possibilidades alvissareiras se tais escolhas são ponderadas, resultado de uma formação consistente, as motivações sejam autênticas e os líderes religiosos ou educadores religiosos são respeitosos e disponíveis para ajudar no discernimento.

Em um próxima postagem, as referências bibliográficas serão disponibilizadas na íntegra.