quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O REINO DA VERDADE E O CAMINHO DA LIBERDADE DOS SEGUIDORES DO REI



“És tu o rei dos judeus? Assim perguntou Pilatos a Jesus, após a cruel flagelação no pretório, ao que Jesus replicou com uma pergunta: “Estás dizendo isso por ti mesmo ou outros te disseram isso de mim?” (Jo 18, 33-34). A esta pergunta, vem à tona o anseio que o Senhor tem sobre o sentido a ser dado à sua soberana realeza. Com efeito, ao afirmar-se rei dos judeus, o Divino Redentor nega que é rei aos moldes de uma compreensão meramente humana, haja vista seu reino não ser deste mundo (cf. Jo 18, 36). Mas, com certeza Ele é Rei! (cf. Jo 18, 37). No entanto, o seu reino se realiza porque nele é atuante a verdade: “Quem está a favor da verdade escuta a minha voz”, diz Jesus (Jo 18, 37). Estar do lado da verdade significa acolher a revelação do Pai através do Filho e sob a guia segura de seu Espírito. Não vale a neutralidade. O julgamento que o divino juiz flagelado estabelece diante de Pilatos é de separação; respostas evasivas como a do governador romano (e de todos quantos ficarem em cima do muro) indicam a não-aceitação desta verdade. Longe desta onda de relativismos vagos e amorfos, a verdade revelada é sólida, estável, plena e eterna. E esta, ao encontrar a pessoa, ao vir ao encontro de cada homem e mulher evoca e requer uma experiência pessoal, crescente, provocadora de respostas existenciais concretas e comprometidas. E tal comprometimento não pode vir a não ser de uma experiência com esta verdade. Dirá João Paulo II:

“A verdade da revelação cristã, que se encontra em Jesus de Nazaré, permite a quem quer que seja perceber o “mistério” da própria vida” (Fides et Ratio, n. 15).
Os critérios de liderança, ou de soberania, de poder e autoridade, conforme o pensamento de Jesus, caminham na contramão das mentalidades e procedimentos deste mundo. As pessoas que chegam ao poder correm o sério risco de fazer dele um instrumento egoísta da busca de si mesmo, uma corrida atrás de privilégios, trampolim para uma ascensão sem fim, estrelismo, jogo de influências, auto-projeção, a mania de tirar vantagem das situações e impor-se. A vaidade é uma ilusão mentirosa e se assemelha à fumaça. Será dispersa pelo Vento do Espírito: “Depôs do trono os poderosos e exaltou os humildes” (Lc 1, 52), dirá Maria, a humilde serva do Senhor. Quando as pessoas vivem na verdade, necessariamente são livres e por isso amam. Livres para amar, serão felizes de modo estável, serão felizes efetivamente. A verdade de Deus conduzirá o homem e a mulher à humildade que por sua vez, longe dos complexos de inferioridade ou dos medos infantis, gera um senso de responsabilidade em agir fazendo o melhor uso dos bens recebidos e administrados. Ser humilde é ser consciente de que tudo foi dado e, na condição de administradores, tudo há de devolver Àquele que é o legítimo proprietário de tudo quanto existe. Esta devolução acontecerá no dia da morte. Por conseguinte, a humildade se mede muito pela liberdade em se auto-perceber como existência doada, ser inacabado, imperfeito, em processo, aprendiz e eterno discípulo que nada sabe e quer aprender. Ser humilde significa ser desapegado por manter sob controle o instinto de posse sob a certeza inequívoca da efemeridade de tudo, de todos. Assumir-se peregrino, viajante significa inexoravelmente ter uma meta. Ter a eternidade por alvo não é presunção, mas destino de quem centrou a vida no que é definitivo. Alvo de quem? De todos quantos vivem na verdade. Presunção seria querer alçar o livre vôo da contemplação da verdade com as asas da razão e da fé (cf. FR Introdução) se tal não nos fosse dado por um chamado divino, uma eleição gratuita; Tal iniciativa não é em função de méritos pessoais, mas na força de uma escolha divina: “Não fostes vós que me escolhestes, mas eu que vos escolhi e vos destinei para que vades e produzais fruto e o vosso fruto permaneça” (Jo 15, 16). Na eleição dos discípulos o “Senhor subiu ao monte e chamou quem ele quis” (Mc 3, 13).
Que Reino é esse que é dos pequeninos, dos pobres, dos mansos, dos aflitos por não verem Deus amado, dos que têm fome e sede de santidade, dos perseguidos por causa do Evangelho e da justiça, dos que promovem a paz inquieta e plena? (cf. Mt 5, 1-12). Que Reino é esse que responsabiliza e engaja as pessoas, fazendo-as instrumento de transformação, revolucionárias com as armas da oração, do amor oblativo que se faz serviço e transforma a vida do crente em um discipulado sem fim? (cf. Mt 5, 13-16; 23, 8-12). Eis o Reino que não é deste mundo. Com efeito, as ideologias, as mentalidades egoístas e manipuladoras, doutrinas falsas e opiniões enganosas, propostas sedutoras de uma felicidade construída sobre a areia movediça da facilidade, informações comprometidas com projetos obscuros onde o prazer, o poder e o ter dão as coordenadas da pseudo-segurança fugaz, as falácias e meias-verdades, tudo isso vai gerando fragmentações nos corações humanos. “A visão orgulhosa do homem será humilhada e a soberba dos grandes abatida; naquele dia, somente o Senhor será exaltado” (Is 2, 11).
A verdade: contemplá-la, amá-la, servi-la generosa e fielmente, assimilá-la ao ponto de deixar-se governar por ela, haverá de ser o grande meio para atingir a mais genuína liberdade, e, a partir desta, chegar à felicidade. Escutar a verdade é obedecê-la. Ao lançar-se na escuta, a pessoa de fé se põe em uma postura de acolhida da Palavra que ilumina e conduz, alimenta e faz caminhar. Vale considerar o que São Bernardo ensina: “Guarda, pois, a palavra de Deus, porque são felizes os que a guardam; guarda-a de tal modo que ela entre no mais íntimo de tua alma e penetre em todos os teus sentimentos e costumes. Alimenta-te deste bem e tua alma se deleitará na fartura. Não esqueças de comer o teu pão para que teu coração não desfaleça, mas que tua alma se sacie com este alimento saboroso. Se assim guardares a palavra de Deus, certamente ela te guardará. Virá a ti o Filho em companhia do Pai, virá o grande Profeta que renovará Jerusalém e fará novas todas as coisas” (S. BERNARDO, Sermão 5 In Adventu Domini, 3). Que esta palavra, portanto, nos alimente e vivifique a nós súditos de Sua Divina Majestade.

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