quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A PÓS-MODERNIDADE E UMA CULTURA PLURAL




Com o objetivo de uma melhor compreensão da realidade atual, tentarei fazer uma adequada contextualização da cultura pós-moderna, abordando seus desafios e suas novas características, suas possibilidades e limites. Esse foi um capítulo que abordei em uma monografia que escrevi. Parece-me interessante que saibamos o que acontece, ou melhor, o que motiva, está por trás do que acontece. Um mundo plural, a colocação em questão de todo um conjunto de valores e certezas que até então deles ninguém duvidava, abre uma panorâmica bastante nova a qual necessariamente deve ser investigada. Compreender para situar-se é um dever imposto pela própria conjuntura, tendo em vista nela agir de modo apropriado e eficaz. O ensino religioso deverá preparar os estudantes para uma inserção em um mundo concreto e por caber-lhes assumir uma atitude consciente, coerente e conseqüente ante a realidade, o protagonismo deles e delas pode constituir um valioso elemento de transformação e de construção de um mundo onde os valores façam a necessária diferença.



1. A formação da panorâmica atual



No passado, o regime da cristandade engendrou uma sociedade sacralizada a qual, comportava na relação Igreja-Mundo, uma situação de hegemonia monolítica não só pelo que diz respeito aos fiéis que da Igreja faziam parte como também pelo estado que a protegia e apoiava. Verificava-se uma verdadeira troca de serviços: a religião sacralizava o poder civil dando-lhe sustentação e o estado lhe respaldava anulando ou neutralizando assim a incidência social das outras instituições religiosas minoritárias. O pluralismo religioso abre um capítulo novo na história e a consciência do católico sofre seus efeitos. O Estado torna-se independente da necessidade de uma legitimação religiosa e os acontecimentos ligados ao advento da modernidade no primeiro mundo provocam seus influxos sobre o Brasil. No “supermercado” dos bens religiosos, seitas e novas Igrejas surgem, algumas oferecendo serviços religiosos focando um público alvo. Tal coincide por sua vez com a “volta do sagrado”. Algumas manifestações religiosas caminham lado a lado com manifestações de cunho paracientíficas, distadas em embalagens religiosas. Formas de transcendentalismo como a teosofia, meditação transcendental, técnicas adivinhatórias, horóscopo, magia, alguns fundamentalismos religiosos, cultos afros são exemplos desta complexidade variada e heterogênea. O fenômeno da fragmentação religiosa se manifesta, sobretudo em base de relações de clientela descompromissada onde é freqüente a passagem de uma Igreja para outra (MIRANDA, 1991– ANDRADE, 1993). T. B. Bottomore, professor da universidade de Sussex, na Inglaterra, afirmou: “A separação entre moralidade e religião é uma característica da mudanças culturais no último século” (BOTTOMORE, 1981, p. 230). O mesmo autor lembra que a religião se transformou cada vez mais em uma questão individual e privada. A moralidade tornou-se mais social onde a virtude individual não é tão importante quanto a justiça social. Afirma também que,

Na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, durante o último século, surgiram numerosas seitas novas, e muitas delas floreceram. Isso pode refletir uma “individualização da crença religiosa, que talvez deva ser examinada juntamente com a secularização, como característica destacada da situação religiosa nas sociedades industriais (BOTTOMORE, 1981, p. 227-228).


1.1 Origens e Identidade

Desde os finais dos anos 60 verifica-se uma profunda mudança cultural. Tais transformações se fazem sentir fortemente nos anos 70 com o fenômeno do pós-moderno. A necessidade de dar uma resposta ao exagerado cientificismo, ao brilhantismo inquestionável da razão humana e ao progresso se transformou em negação a estas maneiras de colocar a visão de mundo.

A segunda metade do século XX assistiu a um processo sem precedentes de mudanças na história do pensamento e da técnica. Ao lado da aceleração avassaladora nas tecnologias de comunicação, de artes, de materiais e de genética, ocorreram mudanças paradigmáticas no modo de se pensar a sociedade e suas instituições. De modo geral, as críticas apontam para as raízes da maioria dos conceitos sobre o Homem e seus aspectos, constituídas no século XV e consolidadas no século XVIII. A Modernidade surgida nesse período é criticada em seus pilares fundamentais, como a crença na Verdade, alcançável pela Razão, e na linearidade histórica rumo ao progresso. Para substituir estes dogmas, são propostos novos valores, menos fechados e categorizantes. Estes serviriam de base para o período que se tenta anunciar - no pensamento, na ciência e na tecnologia - de superação da Modernidade. Registra-se a exacerbação de certas características das sociedades modernas, tais como o individualismo, o consumismo, a ética hedonista, a fragmentação do tempo e do espaço. Seria, então, o primeiro período histórico a já nascer batizado: a pós-modernidade.

1.2. Autores e Idéias principais

Entre os autores principais a fazer uso do termo, destaca-se o francês Jean-François Lyotard, onde, segundo ele, a "condição pós-moderna" caracteriza-se pelo fim das metanarrativas. Os grandes esquemas explicativos teriam caído em descrédito e não haveria mais "garantias", posto que mesmo a "ciência" já não poderia ser considerada como a fonte da verdade. Segundo LYOTARD (1998,135)



As árvores de conhecimento são fundadas sobre princípios de auto-organização, de democracia e de livre troca na relação com o saber. Ao abandonar uma concepção feudal dos conhecimentos organizados em disciplinas, dominados pelos grandes conceitos, desenvolvem um espaço do saber produzido por todos, coextensivo à vida das coletividades humanas, sem muros nem fossos incontornáveis. A diversidade das competências e dos recursos cognitivos de qualquer comunidade pode, então, tornar-se visível. Um espaço de comunicação e de negociação entre todos ou atores implicados pelas relações com o saber é instituído. O mesmo instrumento pode ser manejado pelos indivíduos que oferecem competências, pelos empregadores que os procuram e pelos formadores que os transformam.

Para o crítico marxista norte-americano Fredric Jameson, a Pós-Modernidade é a "lógica cultural do capitalismo tardio". O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, um dos principais popularizadores do termo Pós-Modernidade no sentido de forma póstuma da modernidade, atualmente prefere usar a expressão "modernidade líquida" - uma realidade ambígua, multiforme, na qual, como na clássica expressão marxiana, tudo o que é sólido se desmancha no ar. Segundo Bauman, a marca da pós-modernidade é a vontade de liberdade (BAUMAN, 1997, p. 53). Já o filósofo alemão Jürgen Habermas relaciona o conceito de Pós-Modernidade a tendências políticas e culturais neoconservadoras, determinadas a combater os ideais iluministas. Gianni Vattimo (apud DANTAS, 2009, 184) acena à “dissolução da história” nos seus vários sentidos que se podem atribuir a essa expressão. É, de resto, a característica que distingue de modo mais claro, a história contemporânea da história “moderna”. Daqui, se conclui que não há coordenada originária, ou seja, inexiste um fio condutor capaz de dar inteligibilidade à história, nenhuma ligação intrínseca entre os acontecimentos, pois não há uma história única, mas inúmeras particulares. Fala-se, por conseguinte da pós-história ou dissolução da história (DANTAS, 2009, p. 184). A pós-modernidade emerge, enquanto negação humana do conhecimento do mundo, de si próprio, na relativização ou negação dos valores últimos que venham a dar sentido à inteligibilidade, à vida humana e à sociedade. A crise dos discursos unificadores, a fragmentação dos saberes, o fim das metanarrativas, a crise das utopias, o esvaziamento do conceito de verdade, em suma, chegou-se à descrença que para cada pergunta ou questionamento exista uma só resposta, provida de racionalidade ou cientificidade. Cada um formula a resposta que mais lhe agrada, e não existe nenhum critério para afirmar que uma resposta seja mais ou menos verdadeira que outra. Gilles Lipovetsky afirma que a “demanda de liberdade é superior àquela de igualdade” (LIPOVETSKY apud LIMA, 2009, 183).

Para Gianni Vattimo ( apud LIMA, 2009),

a chamada "pós-modernidade" aparece como uma espécie de Renascimento dos ideais banidos e cassados por nossa modernidade racionalizadora. Esta modernidade teria terminado a partir do momento em que não podemos mais falar da história como algo de unitário e quando morre o mito do Progresso. É a emergência desses ideais que seria responsável por toda uma onda de comportamentos e de atitudes irracionais e desencantados em relação à política e pelo crescimento do ceticismo face aos valores fundamentais da modernidade. Estaríamos dando Adeus à modernidade, à Razão (Feyerabend) Quem acredita ainda que "todo real é racional" (Hegel)? Que esperança podemos depositar no projeto da Razão emancipada, quando sabemos que se financeiro submetido ao jogo cego do mercado? Como pode o homem ser feliz no interior da lógica do sistema, onde só tem valor o que funciona segundo previsões, onde seus desejos, suas paixões, necessidades e aspirações passam a ser racionalmente administrados e manipulados pela lógica da eficácia econômica que o reduz ao papel de simples consumidor?

Conforme ZOCATELLI (1996, p. 23) vem à tona a teoria da “interpretação infinita”, originalmente amadurecida exatamente no campo da crítica literária, segundo a qual todo objeto de reflexão pode assumir significados “infinitamente” diversos; aplicada à vida social, a interpretação pós-moderna, mediante a qual cada um formula a própria resposta na impossibilidade de determinar significados autênticos e universais, produziu um “clima” que segundo INTROVIGNE (1995, apud ZOCATELLI, 1996, p. 23-24), tem os seguintes traços característicos:



Antes de tudo – em senso sociológico – se pode constatar simplesmente uma série de fatos: derrubados os mitos da modernidade para um percentual significativo dos nossos contemporâneos hoje a ciência não é mais segura que a magia, a medicina não é mais que a fé nas curas milagrosas, e assim por diante. A difusão, socialmente relevante, desta persuasão pode ser medida através de instrumentos sociológicos apropriados. Diferente é a teoria de filósofos do pós-moderno segundo o qual é justo que seja assim, e o real é simplesmente um facho de infinitas possíveis interpretações. Este tipo de teoria – por quanto se anuncie como o “novo” absoluto – representa simplesmente uma ulterior, talvez mais extrema, graduação do relativismo que constituía já a essência da modernidade.



A exacerbação do individualismo provoca um indiferentismo aos interesses comuns. O subjetivismo exacerbado se efetua em detrimento da objetividade e aciona uma provocação do desprestígio da política, do sentido da representatividade. Os valores e as idéias perdem a razão de ser, pois são sem sentido e assim pouco a pouco se cria uma situação de degradação existencial com um empobrecimento da capacidade de maravilhar-se, de ordenar a própria vida em função de um ideal e de amar ou usufruir da vida intensamente. O trabalho, por sua vez, perde sua dimensão de vocação, ação criativa e se reduz a um meio para suprir as necessidades do indivíduo, meio de fazer carreira. O amor e o matrimônio passam a ser vistos como fontes de gratificação psicológica e se rebaixam a meras e banais enfermidades. Renasce o sagrado como dimensão religiosa alternativa, emergente com o renascimento da astrologia.

Com o crescimento do individualismo e do subjetivismo entra em cena a ideologia neoliberal e até mesmo o neoconservadorismo na condição pós-moderna. Ora, uma parcela significativa de jovens brasileiros, especialmente aqueles pertencentes às classes alta e média vivem este momento cultural (ANDRADE, 1993– MION, 1993). Vem à baila um amontoado acrítico de orientações culturais modernas como o hedonismo, o amoralismo, o espiritualismo, o gnosticismo, o materialismo como busca da felicidade. Sobretudo no meio juvenil se verifica uma entrega da razão cansada aos deuses da modernidade. Como nos afirma Feller (1995, p. 351):

[Há uma verdadeira] renúncia da construção disciplinada e sacrificada da história pessoal e coletiva em vista da facilidade a todo custo, entregando o ser humano aos prazeres propostos da modernidade. [...] a razão hedonista se manifesta na incapacidade que leva as pessoas a se satisfazerem com o mínimo.



Tais jovens, como afirma Mion (1993, p. 249),



[serão aqueles que deverão enfrentar os] problemas culturais de não pouco relevo como a relativização dos sistemas de significado, mas também a absolutização dos relativos, uma orientação privativa e sobretudo emocional dos valores, o enfraquecimento da mesma rede das solidariedades vizinhas, a presença e a teorização de um identidade pessoal e social fraca, fragmentada, compósita, em contínua evolução, freqüentemente ambivalente e contraditória, que torna difícil a construção de uma experiência unitária ligada a um senso mais geral.



A recuperação da subjetividade, da individualidade (não do individualismo) oferece às pessoas um espaço para construir a própria identidade de modo sadio e maduro. O retorno à mística, com o aparecimento do “sagrado espontâneo e variado” pode provocar a solicitação e a efetivação da construção de uma espiritualidade mais rica. É de grande significado a abertura à gratuidade, às exigências da vida. Além disso, se oferece um grande espaço ao diálogo inter-religioso e cultural na abertura ao valor da pluralidade (ANDRADE, 1993). Bem afirmou ROANET (1987 apud LIMA, 2009): “Se a modernidade prometia a felicidade através do progresso da ciência ou de uma revolução, a pós-modernidade promete um nada que pretende ser o solo para tudo”.



1.3. Pontos positivos do cenário hodierno: possibilidades de ação



Mesmo que o cenário se apresente sombrio e imbuído de não poucos desafios referentes à indefinição e ao vazio, alguns elementos podem ser abertura e possibilidade para uma ação conjunta pelo bem de todos. Pode-se constatar a ênfase dada à cooperação e não sobre a competição, toda uma consciência ecológica pode abrir perspectivas inusitadas para a construção de uma sociedade que preserva e se opõe à ação exploradora dos recursos da terra; o encorajamento da espontaneidade e da criatividade; a promoção da paz entre os povos; os cuidados do corpo e do seu ritmo biológico através da promoção do esporte, de exercícios físicos e de alimentação saudável; o desenvolvimento do potencial humano e da auto-imagem positiva; o conceito da aldeia global e, por conseguinte da interdependência entre as pessoas e os povos; a mundialização de valores e ideais; a articulação em redes; a promoção e defesa da vida; a emergência de uma consciência planetária; o papel da mulher; uma visão do cristianismo como religião aglutinadora do pluralismo religioso; o diálogo inter-religioso na busca de um projeto de ética mundial; o apelo ao místico e ao sagrado; a busca de uma nova experiência de Deus (FELLER, 1995). Por mais que o relativismo ou uma ampla relativização ou mesmo subjetivização tenham criado o rompimento com paradigmas básicos para um pensar o mundo, a vida, a sociedade, a política, etc., hoje as opções religiosas das pessoas, ao menos as que fazem uma busca séria, não mais terá a tradição religiosa familiar como referência única ou obrigatória. Entrará em cena uma experiência pessoal, uma escolha livre, tendelcial e potencialmente mais responsável. Em primeira pessoa, o indivíduo faz suas escolhas de modo bastante livre. Certamente, as vantagens serão potenciadas e haverão de ser fonte de possibilidades alvissareiras se tais escolhas são ponderadas, resultado de uma formação consistente, as motivações sejam autênticas e os líderes religiosos ou educadores religiosos são respeitosos e disponíveis para ajudar no discernimento.

Em um próxima postagem, as referências bibliográficas serão disponibilizadas na íntegra.

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