sábado, 28 de março de 2009

Um referencial de amor no calvário, no presépio e no sacrário!





AS REMINISCÊNCIAS DO NATAL PARA UMA COMPREENSÃO DO REINO DO CRUCIFICADO QUE RESSUSCITOU


A pouco, celebrávamos o mistério da natividade do Senhor. Não somente um mistério gozoso, mas que porta em si, já as dores da profecia do Menino Rei.
Na solenidade da Epifania, a liturgia nos apresentava os magos que indagavam a respeito do Rei dos judeus que acabava de nascer (cf. MT 2, 2). Certamente ele é Rei, mas a partir de parâmetros e dentro de um sentido bem pouco entendido pelos mortais. A pergunta que Pilatos, anos depois faria a este menino feito homem adulto, nos introduz nesta verdade: “Tu és rei?” Ao que responderá o Senhor “Tu o dizes eu sou rei” (Jo 18, 37). Encimado na cruz havia o letreiro: “Jesus Nazareu, rei dos judeus” (Jô 19, 19). As atitudes ante este rei foram as mais diversas; acolhimento como foi o caso de Maria, José, os pastores, os magos, João Batista, os discípulos, os amigos de Betânia, Madalena e outras pias mulheres; rejeição como foi o caso de Herodes, Judas Iscariotes, várias lideranças religiosas, Pilatos e outros. Cada um deve se posicionar ante Aquele que “foi colocado para a queda e o soerguimento de muitos em Israel, e como sinal de contradição” (Lc 2, 33).
Ele é Rei. Mas, de que reino? Qual a razão das pessoas humanas não compreenderem o seu sentido e sua consistência?
Para responder a essa pergunta, é fundamental entender ou acolher que Deus não está a serviço dos projetos humanos e de suas realizações históricas, ainda que o “programa” de Deus é a pessoa humana. O homem não deve apenas ser libertado dos estorvos ou da hostilidade dos seus semelhantes, mas libertado de si mesmo, porque, só assim, será livre para Deus. A profecia de Miquéias, a respeito do “chefe que governará Israel” (Mq 5,1, cf. Mt 2, 6), adquire uma interpretação inteiramente nova na vida de Jesus. Seu cetro será a verdade; seu poder a misericórdia; seus nobres, os pobres e os humildes; todos aqueles para os quais Deus é mais importante do que eles próprios. Seu exército será composto por “idealistas” que “perdendo” suas vidas, servirão a muitos de testemunho de que chegou a vitória final. Seu evangelho será a humildade e a santidade.
Tanto Herodes, quanto as lideranças religiosas responsáveis pela morte de Jesus, quanto Judas Iscariotes ou mesmo Pilatos e as lideranças de todos os tempos, incluindo obviamente as atuais, não poucas vezes buscaram e buscam a si mesmos em uma frenética meta da projeção essencialmente egolátrica, gananciosa, espúria. Jesus o alertara: “Sabeis que os governantes das nações as dominam e os grandes a tiranizam” (Mt 20, 25). O poder tem mostrado sua face plúmbea, sinistra, ainda que tenha havido pessoas que dele se serviram para fazer o bem e promover as pessoas. A política, o exercício da liderança e do poder, ser autoridade são instrumentos maravilhosos e sadios em sua essência. No entanto, sê-lo-ão na medida em que os valores humanizadores e cristãos não são negligenciados.
Ao falar do seu reino, o Divino Mestre afirmou peremptoriamente ante Pilatos: “Meu reino não é deste mundo. (...). Meu reino não é daqui” (Jo 18, 36). Noutras palavras, Jesus não precisa do esplendor dos grandes deste mundo. Sua glória será outra e será quase visível através de seu aniquilamento na cruz.
Efetivamente, Jesus entrou neste mundo direcionando sua vida, seus valores, encaminhando suas ações, assumindo atitudes que estiveram na contra-mão do pensamento comum. Em sua encarnação, Ele que é Deus com o Pai (cf. Jo 1, 1-4), assumiu a pobreza e a precariedade da nossa mísera humanidade fazendo-se carne (cf. Jo 1, 14). Sua experiência de fugitivo político o fez experimentar em tenra idade o que significa ser estrangeiro no Egito (cf. Mt 2, 13-15). Sua vida em Nazaré, cidade insignificante e sem prestígio em Israel (cf. Jo 1, 46), foi sua cidade e lá esteve ao lado de Maria e de José em uma vida frugal, na pobreza de um operário que ganha o pão com o suor de seu rosto (cf. Gn 3, 14). Não fez milagres para tornar sua vida mais fácil! Em sua vida pública, ele não tinha onde reclinar a cabeça (cf. Lc 9, 58) e, ao tentá-lo fazê-lo rei, refugiou-se sozinho na montanha (cf. Jo 6, 15) haja vista não ser esse o critério de realeza a ser assumido por este Rei e Senhor. Em suma, Ele fez milagres para assumir o projeto do Pai, de manifestar o poder do reino, libertar as pessoas, aproximá-las de seu projeto, sem especificamente “facilitar” as coisas ou mesmo resolver “magicamente” os problemas. Enfim, ao fim de sua vida, vilipendiado ao extremo, morreu numa cruz, o mais ignominioso e penoso castigo, (cf. Lc 23,33-46). E mesmo depois de sua gloriosa ressurreição e ascensão quis permanecer em meio a nós sob as humildes espécies de pão e de vinho na Eucaristia (cf. Jo 6) e escondido nos pobres (cf. Mt 25, 31ss).
Isso nos ampara para fundamentar que a religião é apenas uma pálida expressão daquilo que Deus na verdade deve ser para nós. As lideranças religiosas de todos os tempos que se declaram cristãs, devem precaver-se do perigo de estabelecer na religião um pedestal para a glória pessoal, para a prosperidade financeira, para buscar seguranças de toda espécie. Servir-se de Deus ao invés de servir a Deus é paganismo da pior espécie. Religião nunca deve ser pedestal para as próprias projeções ufanistas, mas “genuflexório” da nossa adoração de Deus, e a constante inquietude perante aquele que nos questiona no íntimo de nossas consciências. Ai de quem substitui sua confiança no Senhor pelas garantias de uma religião singelamente acomodada. Ou nos tornamos peregrinos inquietos e itinerantes nesta busca do rosto do Senhor escondido em nós, nos pobres, na Escritura, na história da humanidade ou então, a ausência da busca, a não desinstalação transformará nossa caminhada em ausência do próprio Deus! “(...) aquele que quiser tornar-se grande entre vós seja aquele que serve, e o que quiser ser o primeiro dentre vós, seja o vosso servo” (Mt 20, 26-27).
A Igreja toda é chamada a ir ao presépio, ao calvário, ao sacrário, mergulhar no silêncio e contemplar Deus para, a partir deste olhar sobre Ele, assumir atitudes que sejam respostas, traduzidas em busca que, por sua vez, transfigurar-se-ão no encontro definitivo do alvorecer da eternidade.

Nenhum comentário: