sexta-feira, 16 de outubro de 2009

A justiça na Escritura Sagrada

Como poderemos compreender a justiça a partir da Sagrada Escritura? A própria Escritura fala por si. Os profetas, Jesus, os apóstolos foram pregoeiros deste elemento fundamental do cristianismo. Não se pode entender o discipulado para com a pessoa de Jesus sem a comunhão de bens, sem o devido desprendimento em função de um bem maior que é o bem de todos.

A Escritura, na força dos profetas exprime um grito fortíssimo em favor dos fracos, dos excluídos e oprimidos. Uma das vozes mais eloqüentes é a do profeta Amós quando denuncia aqueles que enganam, roubam com balanças adulteradas, os que compram o fraco com prata e o indigente por um par de sandálias[1]. O profeta Miquéias denuncia os ricos cheios de violência, as mentiras dos habitantes e as falsidades[2]. O profeta Isaías empresta seus lábios para Deus denunciar o seu povo: «Ai dos que promulgam leis iníquas, os que elaboram rescritos de opressão para desapossarem os fracos do seu direito e privar da sua justiça os pobres do meu povo, para despojar as viúvas e os órfãos»[3]. A literatura sapiencial também aborda esta realidade: «Ao homem do seu agrado ele dá sabedoria, conhecimento e alegria; mas ao pecador impõe como tarefa ajuntar e acumular para dar a quem agrada a Deus»[4].

O Novo Testemento encontra em São Tiago um caloroso defensor dos pobres. Ele já afirmava, na sua epístola, em tom de denúncia: «Meus irmãos, a vossa fé em Nosso Senhor Jesus Cristo glorificado, não deve ser admitir a acepção de pessoas. Assim, pois, se entrarem em vossa reunião duas pessoas, uma trazendo um anel de ouro, ricamente vestida, e a outra, com suas roupas sujas e derdes atenção ao que se traja ricamente e lhe disserdes: “Senta-te aqui neste lugar confortável” enquanto dizeis ao pobre: “Tu fica em pé aí, ou então: “Senta-te aí em baixo do estrado dos meus pés” não estais fazendo em vós mesmos discriminação? Não vos tornais juízes com raciocínios criminosos? Atentai para isto, meus irmãos: não escolheu Deus, os pobres em bens para serem ricos na fé herdeiros do Reino que prometeu ao que amam? E, no entanto, vós desprezais o pobre! Ora, não são os ricos que vos oprimem, os que vos arrastam aos tribunais? Não são eles os que blasfemam contra o nome sublime que foi invocado sobre vós? (...). Mas se fazeis acepção de pessoas cometeis um pecado e incorreis em condenação da Lei como transgressores»[5]. Prosseguindo sua denúncia profética, São Tiago nos ajuda a ver a gravidade de uma postura de dependência das riquezas quando estas submetem o rico ao ponto deste oprimir e explorar os mais pobres. Falaremos mais adiante destes que até ajudam e se tornam benfeitores de obras de caridade, porém nem podem imaginar a idéia de transformação das estruturas injustas e pecaminosamente desiguais. Noutras palavras, as soluções paliativas, imediatas podem ser mantidas, mas que as vítimas permaneçam para que o lucro e as vantagens não sejam comprometidos. A esses, a denúncia vigorosa do apóstolo se faz ouvir: «Pois bem, agora vós, ricos, chorai e gemei por causa das desgraças que estão para vos sobrevir. A vossa riqueza apodreceu e as vossas vestes estão carcomidas pelas traças. O vosso ouro e a vossa prata estão enferrujados e a sua ferrugem testemunhará contra vós e devorará vossas carnes. Entesourastes como que um fogo nos tempos do fim! Lembrai vos de que o salário do qual privastes os trabalhadores que ceifaram os vossos campos, clama e os gritos dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos, vivestes faustosamente na terra e vos regalastes; vós vos saciastes no dia da matança»[6].

João, o evangelista, que antes proclamara que «Deus é amor»[7] afirma que viver a vida de Deus significa também amar. Este amor, longe de especulações ou sentimentalismos vazios e alienantes significa não amar apenas com palavras e com a língua, mas com ações e em verdade[8]. Amar significa dar a vida pelos irmãos[9]. E dar a vida significa viver a partilha, a comunhão: «Se alguém, possuindo bens neste mundo, vê seu irmão na necessidade e lhe fecha o coração, como permanecerá nele o amor de Deus?»[10].

[1] Cf. Am 8, 4-6.
[2] Mq 6, 12.
[3] Is 10, 1-2.
[4] Ecl 2, 26.
[5] Tg 2, 1-7.9.
[6] Tg 5, 1-5.
[7] 1Jo 4, 8.16.
[8] 1Jo 3, 18.
[9] 1Jo 3, 16.
[10] 1Jo 3, 17.

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